01
de maio de 2012 | N° 17056
CLÁUDIO
MORENO
A estrangeira
O
homem primitivo sempre olhou para o estrangeiro com um misto de desconfiança e
fascinação. A mitologia está repleta de histórias em que a chegada de um
forasteiro solitário – seja homem ou mulher – ameaça o equilíbrio e a ordem de
um reino inteiro, desencadeando paixões tão ardentes quanto perigosas.
As
mulheres de outras terras, juntando o fascínio natural de seu sexo com a atração
irresistível do desconhecido, eram vistas na Antiguidade como potencialmente
criadoras de tumultos e discórdias – a começar por Helena, a estrangeira que
causou a destruição de Troia e a morte de todo o seu povo.
Por
causa disso, várias tribos do Velho Testamento tinham leis que proibiam desposá-las;
os egípcios, embora não chegassem a tanto, desaconselhavam expressamente este
tipo de relacionamento, a não ser para firmar alianças com outras casas reais.
Este
eterno receio ficou registrado nos Ensinamentos de Ani, um texto do tempo dos
faraós, em que um escriba transmite a seu filho o que aprendeu sobre a vida: “Evita
a mulher estrangeira, que ninguém na cidade conhece. Não admires o seu andar,
nem penses em deitar com ela. Ela é água profunda, com correntezas ocultas”.
Pois
hoje, tanto tempo depois, essas linhas já não servem de preceito de vida para
nossos filhos e filhas. “Água profunda, com correntezas ocultas”? Mas todas são
assim, caro mestre Ani. Levamos três mil anos para começar a aprender que mesmo
a mulher da porta ao lado sempre será uma estrangeira para o homem, e vice-versa
– com costumes, valores e linguagens diferentes –, mas isso não nos assusta,
nem abala nossa convicção de que vale a pena tentar uma vida em comum.
Quando
não dá certo, recomeçamos, apesar das previsões pessimistas de céticos e
rabugentos. Alguma coisa nos diz que é possível chegar um dia a essa conversação
amistosa e interminável, em que os dois tentem traduzir, um para o outro, a
maneira particular e especial com que o homem e a mulher enxergam a vida e
falam sobre ela.
É só
neste diálogo prolongado e ininterrupto, nesta repetição de hábitos e horários,
nesta afirmação da vida cotidiana que o casal vai harmonizando os dois mundos,
criando as condições necessárias para que ambos possam compartilhar a
descoberta daquele mundo encantado das preciosas e incomparáveis “coisas sem
importância”.
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