
Brincando de boneca
É fácil criticar comportamentos que destoam da chamada normalidade, como ocorre na atual onda de ataques e chacotas a pessoas que tratam bonecos de silicone como se fossem humanos. Difícil é parar para pensar no que pode estar se passando na mente e na alma dessas pessoas. Mesmo sem ter conhecimento mais aprofundado de psicologia, acredito que muitas delas (não todas, obviamente) precisam muito mais de compreensão e cuidados do que desses deboches e das duvidosas lições de moral que aparecem com frequência nas redes sociais.
Vejo, inclusive, uma grande incoerência nos críticos que acusam essas pessoas de desequilibradas e sugerem que elas deveriam adotar crianças de verdade, considerando a quantidade de órfãos à espera de adoção em nosso país. Como assim? Se a pessoa tem problemas psíquicos, não se pode querer que vá cuidar de uma criança. Já me parece bastante questionável quando a adoção regular é motivada mais pela carência afetiva dos adotantes do que propriamente pela consciência de assegurar proteção e futuro digno aos adotados.
Mas voltemos às bonecas que parecem reais. Em primeiro lugar, não se pode generalizar. Todo adulto conserva resquícios da infância e não há mal algum que uns e outros (ou umas e outras) brinquem de bonecas ou colecionem carrinhos, desde que tais práticas não se tornem compulsivas nem sejam utilizadas como fuga permanente da realidade. Em determinados casos, inclusive, o brinquedo pode ser utilizado como terapia para problemas emocionais temporários.
O preocupante é quando o adulto transforma o seu brinquedo (boneca, carrinho, seja lá o que for) numa fantasia incapacitante, passando a dedicar-se totalmente ao objeto, com prejuízo para suas relações humanas. Mas é preocupante - e não apenas condenável. Talvez seja um pedido de socorro. Ridicularizar não ajuda em nada. Pelo contrário, só comprova a conhecida advertência do verso de Caetano Veloso, de que de perto ninguém é normal.
Os críticos implacáveis me assustam mais do que essas pessoas que recorrem à regressão para fugir de suas angústias.
NÍLSON SOUZA
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