
Ataque telegrafado do Irã antecipou cessar-fogo
Havia duas interpretações sobre a resposta do Irã ao ataque americano a suas instalações nucleares, no sábado: uma pessimista e outra otimista.
Comecemos pela primeira. O temor de conflito em nível regional se confirmou em parte, uma vez que a guerra parecia se estender não apenas a Israel e Irã, mas se ampliando aos ricos emirados do Golfo Pérsico. O Catar, sede da maior base aérea dos EUA no Oriente Médio, Al-Udeid, alvo da ação iraniana ontem, reivindicava o direito de responder. Os mísseis lançados pelo regime dos aiatolás colocaram em pânico a população de centros econômicos da região, como Doha, Abu Dhabi e Dubai. O espaço aéreo foi impactado, com várias companhias aéreas suspendendo voos. Essa era a versão pessimista.
Felizmente, a perspectiva otimista preponderou. No sábado, os EUA exerceram boa parte do seu poderio militar para atacar, pela primeira vez diretamente, o Irã, com foco nas três centrais nucleares do regime. O regime dos fanáticos aiatolás precisava dar uma resposta - não tanto ao mundo, porque, com livre acesso à informação em países democráticos, sabemos bem que o país está isolado, com boa parte de sua força aérea em terra e com a defesa antiaérea neutralizada. A resposta do Irã cabia, principalmente, ao público interno, para demonstrar algum nível de dignidade à opinião pública doméstica. Isso explica por que a ação militar de ontem contra a base americana foi telegrafada.
O Catar foi avisado - o que, por tabela, significa que os EUA também. Isso explica por que Donald Trump ironizou "a resposta fraca" e agradeceu por ter sido avisado. Também explica por que o petróleo teve forte queda. Uma análise superficial levaria a acreditar no contrário. Mas algo já estava no ar. A resposta iraniana trazia implícitos dois movimentos: o Irã não interromperia o Estreito de Ormuz; e mais importante, a resposta estava dada (a base americana, onde não havia caças e na qual todo o efetivo humano tinha sido evacuado). A retaliação havia sido cumprida. E pararia ali.
Depois, Trump anunciou ao mundo um cessar-fogo entre Israel e Irã. Isso significa a paz pela força, que ele e o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, vêm defendendo. As próximas horas serão decisivas. _
Israel bombardeia símbolos do regime dos aiatolás
As Forças de Defesa de Israel (IDF) realizaram ontem um grande ataque contra instituições importantes para o regime teocrático iraniano.
Entre os alvos atingidos está a notória prisão de Evin, conhecida por abrigar presos políticos. O local é considerado um dos símbolos mais fortes do sistema de governo iraniano, sendo o principal centro de detenção de opositores desde 1972 - antes da Revolução Islâmica. Até ontem, não havia informações claras sobre feridos ou sobre fuga de prisioneiros.
Outro alvo foi a sede do Basij, milícia ideológica e religiosa ligada à Guarda Revolucionária. Fundado em 1979, o grupo já foi acusado por ativistas de promover execuções extrajudiciais, torturas e de impor à força as regras islâmicas do regime.
Alvos extras incluíram a sede do serviço de segurança interno, o departamento de ideologia do governo, o "Relógio da Destruição de Israel", um símbolo em Teerã que marca uma contagem regressiva para o fim do Estado judeu em 2040, entre outros pontos. _
Quem é Pete Hegseth?
Veterano da Guarda Nacional americana, ele ganhou notoriedade nacional ao se tornar comentarista e apresentador de televisão nos EUA. Além de seu histórico militar, é conhecido por visões ideológicas mais extremas e por críticas contundentes a instituições internacionais.
Como oficial, serviu no Iraque e no Afeganistão, sendo condecorado com prêmios como a Estrela de Bronze pelos serviços prestados. Também participou de operações em Guantánamo. Após os anos de combate, liderou organizações voltadas a veteranos.
Em 2014, passou a integrar o time de comentaristas da Fox News. Em 2017, tornou-se apresentador da emissora, que é conhecida por seu viés editorial conservador e alinhado a Trump.
Hegseth tem sido um crítico contundente das políticas de inclusão nas Forças Armadas. Segundo ele, a participação de mulheres em combate e as políticas de diversidade teriam enfraquecido a eficácia militar. Ele também se opõe à presença de pessoas transgênero nas forças armadas, alegando que causam "complicações logísticas". Além disso, é abertamente crítico a instituições internacionais, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). _
Trump é criticado por aliados e adversários
Há uma lei federal americana que limita o poder do presidente de começar ou escalar conflitos militares sem autorização do Congresso. Chama-se War Powers Resolution (Resolução dos Poderes de Guerra). O objetivo é evitar que o chefe do Executivo envolva os EUA em guerras sem consentimento explícito do parlamento, como ocorreu com o Vietnã. A legislação de 1973 obriga o presidente a notificar deputados e senadores até 48 horas após o início de uma ação militar.
Conforme o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, parlamentares americanos foram comunicados do bombardeio ao Irã, sábado, só após os aviões B-2 terem deixado o espaço aéreo do país atacado - o que coloca Trump dentro das 48 horas previstas em lei.
Mas a oposição democrata tem criticado a falta de aprovação do Congresso. Os deputados Chuck Schumer e Hakeem Jeffries afirmaram que o ataque seria "inconstitucional", exigindo votação no Congresso.
Alexandria Ocasio-Cortez, uma das vozes jovens do Partido Democrata, afirmou que o ato poderia ser base para um processo de impeachment. Até entre republicanos houve críticas, baseadas na divergência com o estilo "America First", slogan do presidente em que prega que os assuntos internos americanos devem ser prioridades, não os do outro lado do mundo.
Promessa de campanha
Há pontos interessantes na política doméstica americana a partir da ação de Trump. O primeiro é que, embora agrade à ala conservadora da Casa Branca, o presidente deixa de ser coerente com a doutrina "MAGA" (Make America Great Again), que defende o isolacionismo e o não envolvimento em temas "alheios".
Mas também provoca críticas dos "falcões", que desejariam o envolvimento americano até a derrubada do regime dos aiatolás - algo que, até o momento, foi descartado. Ficou claro que o objetivo é a neutralização da capacidade iraniana de produzir armamento nuclear.
Trump se elegeu em 2016 prometendo não envolver os americanos em novos conflitos. Agora, agradou a Benjamin Netanyahu, mas se afastou de boa parte de seus eleitores - os que querem a mudança de regime e aqueles que defendem o não envolvimento.
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