Acompanhante de luxo
Desde que fiz 40 anos, essa é a frase que mais escuto: precisa acompanhar. Houve um tempo —nem faz tanto assim— em que eu acompanhava as bandas indies do momento. Ouvia compulsivamente Hot Chip e LCD Soundsystem, tomei chuva pelo Arctic Monkeys, fui a todos os shows do Radiohead e ainda sei de cor as letras dos The Strokes.
Logo depois, passei a acompanhar, com a mesma entrega e obsessão, um antigo cônjuge andarilho. Nas manhãs ensolaradas de domingo, por exemplo, ele gostava de ir a pé da rua Cajaíba, em Perdizes, até o restaurante Dona Onça, no Copan (centro). Durante o trajeto de quase uma hora, eu ia conversando —praticamente sozinha, sem parar, como quase sempre faço, posto que sempre namoro rapazes que falam menos do que eu (o que é fácil, porque qualquer pessoa fala menos do que eu) — e não ostentava nem sequer um segundo de respiração ofegante.
'Sou uma acompanhante de luxo, pois meu plano médico familiar já me custa mais do que ganho trabalhando para dois ou três lugares ao mesmo tempo' - Pixabay
No ano seguinte, acompanhei de pertinho, como jurada, uma batalha entre botecos paulistanos — até hoje não entendi o motivo de terem me chamado (muito menos a razão do meu aceite). Durante uma semana, comi toda sorte de coxinhas, pastéis, linguicinhas, torresmos, caldinhos de feijão com pimenta que deveriam se chamar caldinhos de pimenta com feijão — e dei meu voto para alguma desgracinha da Vila Madalena que faliu no mesmo ano. No máximo, tive uma azia sanada por meia pastilha de magnésia.
Antes de ser mãe, acompanhei as filmagens de um longa-metragem, escrito por mim, que se passava em pequenas cidades medievais da França e de Portugal. Acordava de madrugada, entrava na van da produção e passava o dia inteiro maravilhada por diversas e espetaculares ruas de pedra, em busca dos melhores cenários e das melhores paisagens. Foi um verão europeu inesquecível (morria gente de calor o tempo todo). Eu chegava ao hotel já tarde da noite —e ainda saía para acompanhar os outros jovens da equipe, sedentos por festas e esbórnias.
De cinco anos pra cá, o roteiro mudou completamente. Hoje em dia, eu acompanho, não necessariamente nessa ordem: um cisto no ovário, pedras nos rins, cistos nos seios, um tumor benigno no osso externo, um nódulo no fígado, uma bursite no joelho direito, um desgaste articular no joelho esquerdo, uma arritmia cardíaca, síndrome do psoas, três protrusões discais na cervical, duas protrusões discais na lombar, uma gastrite moderada, um princípio de hérnia na área da musculatura lombar, uma hérnia incisional causada pela cesárea, uma ciclotimia moderada, um quadro de sinusite crônico causado por um quadro de refluxo crônico e uma dor musculoesquelética crônica acompanhada de perda de memória.
Segundo os médicos, é só acompanhar.
Desde que fiz 40 anos, essa é a frase que mais escuto: precisa acompanhar. Alguns exames podem esperar até dois anos, outros demandam acompanhamento a cada seis meses. Nada parece grave. Tá tudo bem, eles dizem. Mas vai que... Sempre bom acompanhar.
Sou uma acompanhante de luxo, pois meu plano médico familiar (eu, minha filha e meus pais) já me custa mais do que ganho trabalhando para dois ou três lugares ao mesmo tempo.
Ontem, coloquei meu roupão salmão para acompanhar, em uma mesma manhã, cistos e nódulos em variados órgãos. Dormi durante o exame porque, a pedido médico, também preciso acompanhar minha fadiga crônica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário