
É tragédia igual
Suspiramos quando maio passou. O maio do ano passado - o pior mês da história gaúcha, com a maior catástrofe natural que já experimentamos - deixou mais do que marcas na parede: criou traumas no nosso comportamento, um medo eterno do desalojamento.
Mas parece que junho também vai nos castigar. Nos próximos dias, há a promessa de chuvas constantes. O caos começa a se instalar. O volume acumulado desde a noite de segunda-feira já bloqueou totalmente mais de 30 trechos das rodovias estaduais e federais. Tanto que um homem desavisado morreu após o carro ser levado em uma ponte entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis.
Do mesmo modo, um veículo com casal a bordo acabou tragado pela correnteza em Candelária, o que resultou em uma vítima até o momento. O Arroio Sapucaia, no limite entre Cachoeirinha e Canoas, transbordou. O Rio Taquari alcançou sua cota, ameaçando Lajeado. O trensurb interrompeu suas atividades devido ao alagamento entre as estações Farrapos e Mercado.
Os meteorologistas voltam a ser consultados como nossos profetas. Descobre-se que os bueiros ainda estão entupidos. Reza-se para que as casas de bombas de Porto Alegre funcionem, pois a de Canoas já apresenta problemas. Dez escolas municipais de Santa Maria suspenderam as aulas - sete no perímetro urbano e três na zona rural. Nova Santa Rita decreta estado de calamidade. Agudo pede estado de emergência. Os investimentos do Estado ainda não são realidade: exigem tempo para erigir.
Teremos 450 milímetros até amanhã. Na época do dilúvio, foram de 500 a 700 milímetros. As notícias voam, reacendendo feridas amargas de água doce.
Todos os especialistas afirmam que não existe risco de repetir a tragédia monumental, que atingiu 478 dos 497 municípios, produzindo um lastro de destruição sem precedentes, com mais de meio milhão de desabrigados, mais de 160 mortes e dezenas de desaparecidos. Porém, já estamos diante de uma tragédia quando quase 3 mil pessoas se encontram fora de casa.
Depois de reconstruírem seus lares, perdem tudo outra vez. Não há paz de tijolo, segurança férrea: a longevidade é de vidro. Os moradores de Canoas, de Eldorado do Sul, do Vale do Taquari não mereciam sofrer consecutiva humilhação. No Vale do Taquari, por exemplo, houve enchente em 2023, 2024 e agora. Ou seja, não corresponde mais a uma exceção. É pedra cantada. Ou mais triste: água cantada. Réquiem de água cantada.
Não tem como comparar o apocalipse com o inferno. A sensação é de que não se trata de um cenário tão grave quanto antes, mas o nosso referencial é um recorde de 2,4 milhões de gaúchos afetados.
A lentidão das mudanças protetivas perante o clima extremo é assustadora. Não largamos as maquetes. Não mobilizamos o início das obras de cidades-esponja. Não limpamos os rios. Não cercamos as áreas vulneráveis. Os alertas chegam tarde demais.
Nossas transformações de um ano não têm o ritmo da chuva de um mês. Nos três últimos dias, choveu o triplo do que era esperado para junho inteiro.
Não estamos preparados para o terremoto das inundações. A reincidência é sempre passiva, insípida, inconsequente. Resta contar com a sorte. Só que a sorte não foi eleita. _
CARPINEJAR
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