segunda-feira, 23 de setembro de 2019


23 DE SETEMBRO DE 2019

CLÁUDIA LAITANO

Cala a boca, setembro



A política cultural do governo Bolsonaro, como sabemos, é sólida como uma porta: "Si hay cultura, soy contra". Não há plano nem estratégia, apenas desmonte - o que, em certo sentido, não deixa de ser uma estratégia.

Por mais que o mundo nos ame, não veremos manifestações internacionais em defesa do ecossistema cultural brasileiro. Brasília pode refestelar-se com cortes de orçamento aleatórios e picuinhas em geral (nem a ditadura odiava tanto Chico Buarque?) sem que isso vá parar na capa da The Economist. Estamos sozinhos nessa.

Para complicar, o pelotão de artilharia não está acantonado apenas no Planalto. Enquanto as instâncias federais apertam o garrote do financiamento cultural, a base de apoio do presidente encarrega-se de alimentar factoides que assanham a militância anti-intelectual e acendem a nostalgia da censura. Foi o que se viu, neste setembro especialmente agitado, em pelo menos três ocasiões. Primeiro, uma vereadora gaúcha tentou cancelar uma exposição de cartuns na Câmara Municipal de Porto Alegre (3 de setembro). 

Depois, o prefeito do Rio mandou apreender um gibi na Bienal do Livro (5 de setembro). Na semana passada, um deputado catarinense lançou uma "moção de repúdio" à inclusão do livro Um Útero é do Tamanho de um Punho, da poeta gaúcha Angélica Freitas, na lista de leituras para o vestibular da UFSC e da UFFS (17 de setembro). Nada deu em nada, mas o objetivo desses arroubos censórios foi em certa medida atingido. Em um ambiente polarizado, o ataque à cultura e aos artistas tornou-se uma das mais eficientes ferramentas de marketing político e autopromoção. "Falem mal, mas falem de mim" é o novo "rouba mas faz".

Cabe à Justiça coibir os abusos contra a liberdade de expressão, mas o público também precisa fazer a sua parte nessa cruzada civilizatória. Nunca foi tão importante frequentar o teatro, comprar livros, assistir a filmes brasileiros, ir a shows e exposições e procurar descobrir músicos que não cantam no Faustão nem tocam nas rádios de sucesso.

Dos artistas, esperamos apenas ousadia, inquietação e talento. A grande arte não precisa falar de política para ser política. Muitas obras medonhas nasceram de boas (ou nem tanto) intenções. A arte não pode ser irrelevante, é verdade, mas se é redundante ou panfletária acirra os ânimos sem tocar a alma.

CLÁUDIA LAITANO

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