sábado, 21 de setembro de 2019


21 DE SETEMBRO DE 2019
RODRIGO CONSTANTINO

Máquina do tempo

O que o leitor acharia de viver num mundo onde todos podem usar uma máquina do tempo para regressar ao passado, não para mudá-lo, e sim para bisbilhotar tudo aquilo que os outros fizeram e usar essa informação contra eles no presente, sem qualquer contextualização? Parece uma distopia de Black Mirror, não? Só que esse é o nosso mundo moderno.

Desde o advento das redes sociais, deixamos rastros de cada fase de nossas vidas. As pessoas esquecem que jovens são, bem, um tanto idiotas em geral. O filósofo Bentham idealizou uma penitenciária que permite a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. Agora imagine algo similar, mas com todos vasculhando todos o tempo todo, a vida toda. Eis o que temos.

E pior: sob a ditadura do politicamente correto, esse passado “condenável” tem sido usado para humilhações ou manipulações políticas no presente. O sujeito fez uma piada “homofóbica” décadas atrás? Não pode mais apresentar o Oscar. O outro teve exposta alguma brincadeira adolescente num grupo privado, considerada racista hoje? Então deve se curvar diante da patrulha ou será massacrado. 

O caso mais recente foi o do premier canadense Justin Trudeau, que teve exposta uma imagem de décadas atrás, fantasiado de árabe numa festa sobre Aladim, com o rosto pintado de marrom. Racismo!, gritou a patota. E Trudeau, um “progressista”, teve de pedir desculpas, admitindo que hoje considera mesmo isso racismo, mas na época não considerava.

Não gosto da política esquerdista de Trudeau, mas acho errado tal exploração política em época de campanha. Temos que nos perguntar em que tipo de sociedade desejamos viver: se numa em que, pela guerra política, vale tudo,  ou se em outra, onde a decência deve estar acima de tais disputas.

Em seu clássico A Marcha da Insensatez, a historiadora Barbara Tuchman lembra como é injusto julgar homens do passado pelas ideias do presente. Exato. É como tentar reescrever a história, condenando os “pais fundadores” por terem tido escravos numa época em que isso era considerado normal. Pessoas – e costumes – mudam. A vida em sociedade será insuportável se o passado jamais for esquecido ou contextualizado.

RODRIGO CONSTANTINO

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