quarta-feira, 29 de junho de 2011



29 de junho de 2011 | N° 16744
MARTHA MEDEIROS


Compostura

Uma das minhas fotos preferidas da infância mostra meu irmão e eu sentados em um degrau da casa da nossa avó. Eu deveria ter uns quatro anos de idade. Usava um vestidinho e estava sentada da forma mais moleca possível, de pernas abertas, sem perceber que a calcinha estava aparecendo. Certamente minha mãe não estava por perto, ou ela teria dito, como sempre dizia: “Fecha as pernas, menina, olha a compostura”.

A compostura era, para mim, um genérico do bicho-papão. Sempre à espreita. Se eu falava algum nome feio, olha a compostura. Se eu agia de forma mais folgada com algum idoso (qualquer um acima de 20 anos), olha a compostura. Se eu mastigasse o chiclete de boca aberta, olha a compostura. A danada da compostura me perseguiu a infância toda e, por causa dela, não tive escapatória, acabei virando uma moça educada.

No entanto, descobri com o passar dos anos que é possível ter compostura e ser espontânea ao mesmo tempo. Que compostura não é sinônimo de rigidez, e sim de adequação. Sempre acho estranho quando alguém defende a própria grossura argumentando que está sendo “ele mesmo”, como se ter uma postura elegante fosse falta de personalidade.

Lembrei disso outro dia, enquanto assistia na tevê ao Tiririca vestido de palhaço, fazendo campanha contra o nepotismo. A seu lado, dois personagens que representavam a mãe e o pai do deputado federal, eles também vestidos de palhaço. Tiririca, para deixar tudo bem explicado para a população, diz: “Pai, continue catando latinha. Mãe, continue lavando roupa pra fora. Não pode contratar parente” , enquanto ouvimos um forró de trilha sonora, dentro do clima de São João.

Propaganda eleitoral é sempre uma coisa muita chata, então Tiririca apostou na irreverência, sua marca registrada. E a intenção foi boa, corrige sua plataforma quando era candidato (“ajudar a todos, inclusive a minha família”). Compreende-se que precisa estar caracterizado para que seus eleitores o reconheçam, mas não consigo ser benevolente com essa papagaiada toda.

Nepotismo é assunto sério em qualquer lugar do mundo, e já que seus colegas parlamentares o escolheram para vir a público e usar a luta contra o nepotismo como bandeira para promover o partido, seria mais adequado fazê-lo com o traje que costuma usar em sessões do plenário, onde trabalha e recebe salário para garantir os interesses do povo que representa.

Ou com roupa casual, sem problema. Menos fantasiado. Por nada, não. Apenas por compostura. Para conferir um pouco de recato e decência a uma classe já tão desgastada como a política.

Tiririca não é mau sujeito, foi apenas “ele mesmo”. Uma criança mostrando a calcinha do país em rede nacional.

Ótima quarta-feira para você. aproveite

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