sexta-feira, 24 de junho de 2011



24 de junho de 2011 | N° 16739
ARTIGOS - Renato Soares Gutierrez*


Os mágicos e os gastos públicos

“Vamos falar de flores” é uma surrada expressão sobre quando se deseja encobrir algum assunto penoso. Pois, no caso dos orçamentos públicos, esse recurso é utilizado à exaustão, desde que se criaram, para os olhos incautos da população, meios vendidos como de “participação” ou “controle popular” na perspectiva de que os cidadãos pudessem, de fato, participar das decisões relativas aos recursos arrecadados com os impostos e à destinação dos dispêndios.

Desse modo, parecia que pessoas delegadas, em reuniões animadíssimas, iam decidir, junto aos governantes, sobre os mais importantes investimentos que os governos fariam, dando novas garantias à população, especialmente sobre a resolução do que fosse, de modo inquestionável, absoluta prioridade social.

Nesse mundo de faz de conta, os recursos com margem a alguma participação delegada dos brasileiros sempre trataram de miçangas e espelhinhos, nunca de ouro ou de prata. Apesar disso, a fama de “uma nova forma de democracia” correu mundo, e políticos, especialmente gaúchos, foram vistos lá fora como inovadores; alguns de nossos líderes, inclusive, palestraram em eventos internacionais, com as suas costumeiras e flamantes inovações vernaculares.

Mas, quando o tempo de dominação política vai passando, e se prolongando, e quando a consolidação da liberdade de informação e debate se ampliam, as dificuldades de manterem-se esses simulacros crescem em paralelo, e é o que aqui me traz.

Ou seja, quando a educação, por exemplo, é a prioridade de todos, e quando um governo se elege com certos compromissos na área, e os desmente logo ali, com a justificativa de que os gastos poderiam chegar a mais de R$ 1 bilhão anuais, e, quando se lê no orçamento público que as “desonerações e incentivos” chegarão a R$ 11,4 bilhões, se consegue, com bastante clareza, entender onde está o xis da questão.

Esse xis chama-se de simulação política, ou seja, ninguém, nem delegados, nem políticos com mandatos, nem associações de classe, ninguém, exceto alguns poucos, nas famosas salas fechadas, decide, de fato, as prioridades, o grosso dos recursos a serem gastos.

O volume de tudo o que se arrecada, e do que se decide não arrecadar, esse é o busílis, e essa a principal motivação das grandes, especialmente, enormes empresas, em ajudar os partidos a se elegerem, para cobrarem, logo ali, a sua parte.

Isso ocorre de modo absolutamente legal, há leis para incentivar empreendimentos através do perdão de impostos, e há leis para financiar, atrativamente, as empresas, algumas que se criam do nada com recursos públicos, e outras que renascem das cinzas com esses.

Mas, nessa legalidade formal, o que falta, justamente, é o principal corolário desses novos tempos: a clareza sobre como se concedem essas benesses, com que objetivos – centrados necessariamente em benefícios para a maioria da população – e como se medem resultados, diante de tão vultosos impostos, que sangram com preferência os mais pobres e os assalariados, e que poupam, de muitos modos, os setores mais abastados do país.

Não existirá, é o que penso, nenhuma inovação na participação dos cidadãos até que se deixem de lado esses truques. Os mágicos povoam de encanto a imaginação das crianças; na vida adulta, todos logo descobrem de onde vem a pomba.

*Médico

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