sábado, 25 de junho de 2011



25 de junho de 2011 | N° 16740
CLÁUDIA LAITANO


A ética do marceneiro

Claudio Abramo (1923 – 1987), jornalista que nos anos 60 e 70 ajudou a dar forma e conteúdo à moderna imprensa brasileira, costumava dizer que a ética do jornalista é a mesma do marceneiro: “O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista”.

Senão, vejamos: o cidadão comum não pode trair a palavra dada nem abusar da confiança dos outros. Não deve mentir nem aproveitar-se da posição que ocupa para alcançar privilégios. Não pode ser leviano com a reputação dos outros nem se comportar como se os seus interesses pessoais estivessem acima do bem comum.

Mas tanto o marceneiro quanto o jornalista, às vezes, ficam em dúvida. Um juiz, diante de um conflito de interesses, usa a lei para orientar sua decisão. Diferentes juízes, porém, podem ter interpretações distintas, ou até mesmo opostas, da mesma lei.

No jornalismo, existem práticas consolidadas nos manuais de ética das redações, mas as situações excepcionais são tantas e tão frequentes – e o tempo para tomar decisões às vezes é tão curto –, que o mais completo manual de redação eventualmente se mostra insuficiente. Descobrir se uma informação é verdadeira ou não é apenas uma parte do trabalho do jornalista – talvez nem mesmo a mais complicada.

Digamos que a verdade está para o jornalista assim como a vida está para o médico: ambas são valores enganosamente absolutos. Assim como a vida pode ser tão precária e artificial a ponto de não merecer ser prolongada, a verdade pode ser tão escorregadia, ambígua ou manipulável que não deve ser publicada.

Diante de um fato comprovadamente verdadeiro, não existe manual que desobrigue da reflexão, do julgamento íntimo, da constante revisão de valores que orientam não apenas atitudes profissionais, mas todas as outras também – em casa, com os amigos, na via pública. Jornalistas – como médicos, juízes e tantos outros profissionais que lidam com a matéria da vida cotidiana – fazem melhor o seu trabalho quando reconhecem seus limites e fogem da tentação de encarar a si mesmos como guardiães de uma verdade acima de qualquer escrutínio. Ou seja: quando evitam ser arrogantes.

No caso do jornalista filipino que tornou público esta semana o fato de viver à margem da lei de imigração americana, muita gente colocou sob suspeita o que ele fez antes, como repórter, por ele ter mentido para ficar no país em que vive desde os 12 anos. Como se “dizer a verdade” fosse uma espécie de talento técnico do jornalista, como ser observador ou escrever bem. Se ele fosse bancário, estariam perguntando se assaltava o caixa de vez em quando?

Se fosse médico, se mentia aos pacientes? Não sei muita coisa sobre esse jornalista nem sobre a legislação americana. O que sei é que tanto o marceneiro quanto o jornalista enfrentam dilemas muito parecidos quando têm que decidir o que é certo e o que é errado.

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