terça-feira, 5 de março de 2024


05 DE MARÇO DE 2024
OPINIÃO DA RBS

DUAS NAÇÕES

O trágico episódio no norte da Faixa de Gaza na última quinta-feira, fatal para ao menos uma centena de palestinos, elevou o tom dos questionamentos internacionais quanto à estratégia e à proporcionalidade da resposta de Israel ao atentado terrorista de 7 de outubro do ano passado. Ainda é necessária uma investigação independente para se compreender melhor o que de fato aconteceu. 

Não está claro se o que ocorreu foi causado por disparos de soldados israelenses contra a multidão ou se as mortes decorreram de pisoteamentos resultantes de confusão e correria por tiros de advertência desferidos durante uma distribuição caótica de alimentos para a população faminta do enclave.

Seja qual for a explicação, parece crível a responsabilidade do exército de Israel pelo planejamento equivocado no momento da distribuição de alimentos em Gaza. Se existisse uma melhor organização para a chegada de ajuda humanitária, é bastante provável que o desfecho daquela situação poderia ter sido diferente, evitando mortes de inocentes. Ao mesmo tempo, também se avolumam dúvidas quanto aos cuidados militares de Israel para minimizar as baixas civis ocasionadas indiretamente pelo conflito contra o Hamas.

Essas são algumas das razões que levam cada vez mais a comunidade internacional a questionar a dimensão da ação israelense. Não se pode ignorar, porém, que o início da guerra em curso teve como causa o violento ataque do grupo terrorista ao território de Israel em que mais de 1,2 mil pessoas foram assassinadas de maneira brutal e outras 250 foram levadas como reféns. Pelo menos uma centena permanece sob cativeiro, nas mãos dos extremistas. A própria Organização das Nações Unidas reconheceu ontem, após investigação, que durante a ofensiva do 7 de outubro mulheres foram vítimas de estupro.

Diante do impasse humanitário e da manutenção dos reféns aprisionados, é necessário, em primeiro lugar, um imediato cessar-fogo. Em seguida, deve ser iniciada uma nova etapa de negociação que leve à solução duradoura da criação de um Estado palestino, que reconheça o de Israel e tenha condições de coexistência harmônica. Mas, no curto prazo, a paralisação do conflito deve ser o resultado de um acordo assentado sobre algumas premissas básicas. Uma delas é a libertação, por parte do Hamas, de todos os israelenses mantidos reféns. A outra é a facilitação de Israel para a entrada da ajuda humanitária aos palestinos na Faixa de Gaza.

O estabelecimento das duas nações, deve-se lembrar, foi previsto em 1947 pela Organização das Nações Unidas (ONU), quando foi aprovado o Plano de Partilha da Palestina. É responsabilidade tanto de israelenses quanto de palestinos trabalhar por este propósito. O governo de extrema direita capitaneado por Benjamin Netanyahu precisa sinalizar ao mundo sua disposição pela criação do Estado palestino. Da mesma forma, os palestinos e demais países árabes precisam se unir para ajudar nessa construção. O Hamas não pode ser parte dessa negociação, e de maneira alguma pode ser legitimado na futura solução desse conflito.

Por ser uma democracia, Israel tem de assegurar que mais adiante Netanyahu terá ainda a sua conduta escrutinada para averiguar eventual culpabilidade por falhas de segurança que facilitaram o ataque de 7 de outubro e suas possíveis responsabilidades ao longo do conflito. Essa é a diferença entre uma sociedade erguida sobre princípios republicanos e um grupo terrorista à frente de um regime baseado na opressão armada.

É desejável um futuro Estado palestino com uma nova proposta, com reformas básicas no sistema de educação, com sustentabilidade econômica, com a criminalização do terrorismo e a eliminação do ódio contra Israel e o povo judeu.

Deve ser lembrado que o Hamas sempre se posicionou de forma contrária a essa solução, reconhecida como a melhor forma de os palestinos também construírem a sua autodeterminação. O grupo terrorista, portanto, tem de ser excluído de qualquer negociação.

A costura da solução de dois Estados deve merecer esforços de governos da região e das nações mais influentes na geopolítica global, assim como os da ONU. É a fórmula para trazer a pacificação esperada e plantar as sementes da tolerância para as próximas gerações. A coexistência harmoniosa entre judeus e palestinos na região e no mundo contribuirá para dissolver preconceitos hoje reavivados, como o antissemitismo e a islamofobia.

OPINIÃO DA RBS

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