Torcedores-raiz
Chegamos às quartas de final do Gauchão com embate solitário somente de ida. Os confrontos derradeiros já estão estabelecidos: Inter x São Luiz, Caxias x São José, Grêmio x Brasil de Pelotas, Guarany de Bagé x Juventude.
É uma boa hora para descrevermos o torcedor ou torcedora que não é eventual, que apresenta fanatismo genuíno, que é figura constante das arquibancadas, que bloqueia a agenda quando tem partida da sua equipe, como se fosse um feriado religioso. Enfim, presto minha homenagem ao torcedor ou torcedora-raiz.
- Não tem essa de só aparecer em clássicos, grandes jogos ou finais. Quem torce de verdade bate cartão nas rodadas em casa no Gauchão. Não se guarda para Libertadores, Sula ou Brasileirão. - Verifica a escalação com antecedência, utilizando-a como munição para polêmicas nos grupos de WhatsApp.
- Não deixa de se fazer presente por previsão de tempestade. - Não deixa de se fazer presente porque é aniversário da esposa ou do marido, ou dos filhos. - Acompanha a programação esportiva durante seu deslocamento até o estádio.
- Concentra-se com sua roda de amigos nas imediações do estádio para atualizar as notícias. Não reclamará da cerveja ou do chope quente no pré-aquecimento da rua. - Tem um lugar cativo no estádio, a ponto de decorar quem está ao lado.
- Já conhece algumas regras mínimas de convivência, como jamais estar de chinelo. Sabe que seu pé será pisado. Da mesma forma, tem consciência de que é impossível atender a telefonemas dentro do estádio - a conexão é péssima.
- Nunca fará um top no manto para parecer mais moderno e sensual. Nunca o transformará em bandana na cabeça. Camiseta do time é sagrada, não permite dobras e enfeites. No máximo, pode ser brandida como bandeira em extremos da comemoração.
- Odeia quem pede licença para se sentar no momento de maior tensão e nervosismo. Que vá para a ópera. - Considera de última categoria quem se vale do estádio para namorar, para encontros de aplicativo, para dates, para prospectar ficantes. Admitem-se pedidos de casamento, desde que sejam no intervalo.
- Perde a paciência com quem pensa unicamente em comer e, a todo instante, chama um ambulante para se servir de pizza, pipoca, cachorro-quente, picolé. É alguém que presta mais atenção nos vendedores do que na movimentação dos jogadores em campo, além de tapar a visão dos outros com seus demorados pagamentos por Pix ou cartão de crédito.
- Não sai antes do apito final para evitar trânsito. - Não sai do estádio sem perder a voz. Se não voltar rouco para casa, fracassou no incentivo: não cantou o suficiente, não apoiou o suficiente. - Não abre mão do radinho de pilha, para não arcar com delay da narração.
- Não suporta quem grita gol de modo precipitado. Até porque esse sujeito jamais acerta a previsão.
- Sente horror dos profetas da selfie, que gravam faltas, escanteios e pênaltis, querendo filmar um gol iminente. Dá zica. São pessoas que sofrem da síndrome de Régis Rösing, conhecido repórter que se antecipava aos principais lances das partidas na beira do gramado.
- Irrita-se quando o elenco se farda de uniformes alternativos, com cores que discrepam das tradicionais do clube. - Possui, no mínimo, cinco camisas do time no seu armário. Com menos do que isso, não é torcedor ou torcedora-raiz.
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