03 DE FEVEREIRO DE 2024
BRUNA LOMBARDI
ENCONTRO
Outro dia encontrei por acaso uma colega de escola que eu não via desde criança. Décadas se passaram e lá estava, diante de mim, uma mulher madura com sua história, rugas, preocupações, alegrias, fotos da família, filhos crescidos, toda uma vida. E no entanto eu olhava essa mulher e só conseguia ver a menina que ela foi, a risada que eu lembro que ela dava.
Naquela época, tudo era mais simples. A gente ainda não tinha emaranhado os fios da existência, não tinha tantas camadas complexas depositadas em cima de nós. A alegria era uma coisa instantânea, o sentir era espontâneo, o chorar era genuíno. Não tínhamos ainda criado máscaras, papéis sociais, intencionalidade, subterfúgios, objetivos. Tudo brotava de verdade, era exposto, frontalmente sincero e pronto.
Com o tempo, crescemos, nos machucamos, nos escondemos. Pequenas e grandes dores se acumularam, aprendemos como enfrentar cenas de decepções, frustrações, raivas, vergonhas e constrangimentos no nosso filme particular. Aprendemos a ler pessoas, almas, sentimentos. Compreendemos que precisamos entender o que há por trás da coisa dita, as manobras, as manipulações.
Descobrimos o amor, a paixão, o tesão, a liberdade. Mudamos modas e cabelos, testamos personas e personalidades e o refúgio das confidências das amigas íntimas.
Tanto tempo, tanta vida.
E agora olho essa menina amadurecida pelo tempo e só consigo enxergar a criança que conheci. Ainda vejo lá no fundo aquela garota divertida, contando casos, descobrindo suas opiniões, formando aos poucos seu jeito de ser, sua personalidade. Dentro de nós, a criança fica, mesmo contida, em algum lugar que já não visitamos. Foi ficando esquecida por causa do nosso trabalho cotidiano de viver. Mesmo assim, ela está lá. E permanece com a mesma inocência e perplexidade diante de coisas que continua tentando entender.
Senti um amor enorme por aquela menina que se disfarçou de adulta. Era quase como quando a gente mal conseguia andar dentro dos enormes sapatos de salto da mãe. Dentro de um adulto, existe a criança que ainda tenta se equilibrar. E continua lá, mesmo que a gente se desconecte dela.
Continua com os sustos que levou estampados em sua alma. Continua com as expectativas, os medos, os sonhos impressos, mesmo que todos esses sentimentos tenham aos poucos se transformado, como tudo se transformou. Mesmo que tanta coisa pareça ter mudado, a criança dentro de nós ainda precisa ser cuidada. Precisa continuar curando tudo que
a machucou. Rever coisas que disseram e ela acreditou. Amarras que a prenderam e ela deixou. Cobranças que a desgastam, rótulos que a diminuem. Papéis nem sempre fáceis de vivenciar.
É tempo de descartar o que não serve mais. Tenho vontade de dizer tudo isso pra ela, mas não nos vemos faz décadas e perdemos aquela intimidade imediata, que passava por cima de todas as cancelas e papéis sociais.
Minha memória dela está intacta e eu a abraço amorosamente. Queria ter as palavras certas e saber como resgatar nessa mulher aquela criança feliz.
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