03 DE FEVEREIRO DE 2024
J.J. CAMARGO
O DIREITO DE MORRER
"A versão contemporânea do inferno é a perda do direito de morrer."
(Luiz Felipe Pondé)
Como sempre, o mais fascinante do relacionamento humano é o imprevisível das nossas reações, atribuível à decantada originalidade das pessoas, o que torna a profissão médica tão rica e deslumbrante.
Essa diversidade de atitudes se revela muitas vezes em situações dramáticas de risco e ameaças de morte. Isso pode ser comprovado pela multiplicidade de significados da resposta diante de uma pergunta rotineira na entrevista usual com um paciente gravemente enfermo: "Como o senhor está hoje?". Quando o paciente responde "Um pouco melhor, doutor!", quatro hipóteses podem estar por trás dessa resposta.
1) Ele pode estar exercendo o sagrado direito à negação que, mesmo sendo um antídoto precário, adia temporariamente o desagradável, e vamos convir que só os masoquistas têm pressa de sofrer.
2) Percebendo a morte iminente, não quer se expor ao discurso falacioso de um profissional, geralmente condicionado à omissão.
3) Ele está poupando o médico do desafio de discutir o irreparável.
4) O paciente ainda não confia que o médico seja capaz de ajudá-lo, e então não há razão para transformá-lo em confidente inútil.
Aqueles poucos que, antevendo o desfecho, no estágio da revolta resolvem discutir a tragédia de estar morrendo impõem um desafio incomparável para a maturidade médica, ao exigir uma atitude realista e solidária, poupando o paciente terminal da maior forma de sofrimento: a da solidão na doença.
Essa que foi magistralmente descrita por Liev Tolstói no seu A Morte de Ivan Ilitch, em que ele relata a experiência inexcedível em sofrimento, na qual um paciente inteligente e lúcido acompanhava a dia a dia sua decomposição física (a descrição do choque que Ivan tem, ao mirar-se no espelho, é comovente) e a família e, os médicos só faziam mentir, como se fosse possível ele não perceber a morte se avizinhando.
O retardo do reconhecimento da medicina paliativa como área de atuação médica no Brasil (2011) na comparação com o Reino Unido (1985) atesta a nossa dificuldade de admitir a naturalidade da morte, negligenciando os cuidados que merecerão milhares de brasileiros que morrerão de morte anunciada em 2024 - aos quais deveríamos, idealmente, garantir um final livre de dor, de culpa e de falta de ar, e rodeados das pessoas que realmente sentirão a sua falta.
A representação mais adequada para o fim da vida é a de um beco sem saída. Essa imagem metafórica representa bem essa contingência que, associada à morte do futuro, anuncia o único movimento possível: o da retrospecção, onde prevalece sempre a necessidade do perdão.
Quando o médico se oferece para ser o parceiro nesta intermediação, ele está alçando voo em direção ao ápice que essa maravilhosa profissão pode atingir: a disponibilidade total para o cuidado máximo do ser humano no seu limite de carência e vulnerabilidade.
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