sábado, 4 de novembro de 2023


04 DE NOVEMBRO DE 2023
MARTHA MEDEIROS

Pouso e decolagem

Tenho lido matérias que defendem a ideia de que viajar não é tão fundamental e que os turistas deveriam parar com tanta andança sem sentido. Alguns italianos concordam. "Não venham mais!", têm gritado das janelas os nativos que ainda moram em Veneza, cidade que recentemente foi considerada pela Unesco um patrimônio em risco. Não demorará para Veneza ser ocupada só por visitantes, e aí não será mais uma cidade, e sim uma Disney para adultos, uma cenografia.

Ainda que eu concorde que alguns lugares precisam controlar a entrada de tanta gente, como faz Fernando de Noronha, jamais defenderei que viajar é uma banalidade dispensável. Sei que é possível ser muito feliz sem jamais colocar os pés em um aeroporto - não eu.

Por que viajar precisa ser um estado de exceção? Passamos grande parte da vida morando no mesmo endereço, com alguns intervalos de fuga. Imagine o inverso: viajar constantemente, com alguns intervalos de permanência. Eu sei, o ser humano é gregário, precisa manter vínculos emocionais e ter um emprego a fim de ganhar dinheiro para sobreviver, não é prudente se aventurar (palavrinha tentadora, aventura: injustamente associada a algo temporário).

Porém, morar para sempre numa única cidade, em geral a que nascemos, é que parece um desatino. Pense no que o planeta oferece. Ilhas. Florestas. Desertos. Montanhas. Geleiras. Canyons. Santuários. Templos. Pirâmides. Vulcões. Savanas. Praias. Ruínas. Aldeias. Caminhos sagrados. Metrópoles futuristas. Vilarejos históricos. E pessoas. Pessoas de todas as raças e culturas, pessoas que pensam, comem e agem de forma diferente da nossa. Cartões postais existenciais.

Não consigo chamar de aventureiro aquele que se dedica a conhecer o planeta em sua vasta representação, em vez de comprar uma geladeira, um fogão e formar família. Como eu fiz, e você, provavelmente, também. A gente não se arrepende, mas, no fundo, sabemos que estamos cumprindo ordens. A sociedade costuma ser intransigente com os nômades.

Não fomos educados para a experiência in loco, para as possibilidades de conexão com etnias variadas, para uma expansão geográfica que nos transforme de fato em cidadãos do mundo. A segurança nos atrai na mesma medida que a liberdade nos assusta. Compensamos nosso comodismo com livros, que são mais baratos que passagens aéreas. E, quando dá, fazemos turismo. 

Cada viagem de 10 dias ou de um mês é um jeito de colocar a cabeça para fora da gaiola. Depois, voltamos para casa ainda mais comprometidos com nossas raízes: condicionados ou não, optamos pelo amor romântico, pela criação de filhos, pelos cuidados com os pais. Confirmar, de tempos em tempos, que existe muito mais do que isso, é nosso ato de bravura. Mas aventura mesmo é ficar.

Neste sábado, dia 4, às 17h, autografarei meu Conversa na Sala na Feira do Livro de Porto Alegre. Te espero.

MARTHA MEDEIROS

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