Adão e Eva em Córdoba
Eu tenho o dom das gafes nas viagens. Ainda mais quando estou fora do país, em outro idioma. Solicito pratos errados, confundo expressões de várias línguas. Sem perceber, estou falando português, espanhol e inglês ao mesmo tempo, com construções absolutamente personalíssimas.
Em Córdoba, terra do barroco Góngora, cheguei ao extremo de cometer um furto. Um furto estranho, infantil, jamais suporia que aquilo poderia ser chamado assim.
Encontrava-me no hotel com Beatriz. Costumo fazer estoque de banana e maçã para o lanche da tarde. Eu passei pela recepção e vi maçãs verdes dando sopa na bandejinha da água aromatizada. Entendi que representavam uma cortesia. Peguei uma fruta e coloquei no bolso do casaco. Era bem como eu gostava, compacta, dura, pois odeio quando a polpa é mole, frouxa, macilenta e se desmancha na boca. Gosto do barulho, do croc.
Abasteci a minha mochila para comer depois. Eu mantenho um porta-bananas e um porta-maçãs, para não deixar cheiro nos livros - sou dessas máximas de requinte. Deitei-me para a sesta, já que na Espanha o comércio fecha das 14h às 16h. Logo que acordei, minha esposa, desesperada, disse que o hotel pedia a devolução de um item que eu havia subtraído da recepção.
Não acreditei que o hotel cobraria a maçã. Tratava-se de descarada avareza. Respondi que pagaria tranquilamente, que deixassem o drama de lado e colocassem o valor a mais na conta.
Beatriz argumentou que não era o caso, não correspondia a um produto com possibilidade de ser consumido. O pessoal não se referia a uma maçã, mas a um objeto de adorno. Expliquei para ela que só tinha pegado uma boba fruta. Uma simples maçã de uma bandeja cheia de maçãs.
Comecei a ficar confuso. A recepcionista considerou esquisita a minha atitude, e esperou para ver o que eu faria. Como desapareci, ela entrou em contato reivindicando o apetrecho. Estava receosa e apreensiva, evitava classificar a minha impostura de roubo. Ainda buscava maiores informações para esclarecer o incidente.
Só sei que criei um impasse diplomático, nenhum hóspede jamais levara pertences da decoração antes. Abria-se um histórico, um precedente perigoso.
Então, eu tirei a maçã da bolsa para provar a minha inocência. Ao dar uma mordida por desforra, quase quebrei os dentes. Descobri que ela era de cera. Devolvi a maçã com imensa vergonha, Beatriz mais ainda por ser casada comigo. Num hotel em Córdoba, existe um cesto de maçãs verdes. Numa delas, você poderá encontrar a minha mordida. O meu pecado original ficou inscrito para sempre.
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