08 DE ABRIL DE 2020
NÍLSON SOUZA
O passaporte da imunidade
Toda vez que algum meteoro nos atinge, perdemos um pouco da nossa liberdade. Foi assim nas guerras mundiais, no 11 de Setembro e em várias catástrofes naturais. Ao que tudo indica, será assim novamente em muitos países, mesmo nas democracias consolidadas, tão logo esse inesperado cavaleiro do Apocalipse em forma de vírus saciar-se de vidas humanas e nos deixar em paz.
Na China, segundo vimos em recente reportagem, as pessoas já estão sendo catalogadas por códigos QR e cores, para que as autoridades tenham controle absoluto sobre elas: os verdes podem se movimentar livremente pelos espaços públicos, pois exames prévios comprovaram a inexistência de risco de serem contaminados ou contaminarem outras pessoas; dos amarelos são exigidos sete dias de isolamento: e, dos vermelhos, no mínimo 14 dias.
Por aqui ganha força a tese do passaporte da imunidade, amplamente defendida pelo ministro da Economia como saída para o isolamento. Em princípio, parece uma boa ideia. Se a ciência médica garante que os pacientes curados da covid-19 tornam-se imunes, sem qualquer risco de recaída ou transmissão da doença para terceiros, por que mantê-los reclusos? É lógico e sensato que voltem à vida normal, principalmente ao trabalho, para que o país saia da crise antes de mergulhar num caos social.
Porém, nem tudo é tão simples e tranquilizador. No início da semana, cientistas constataram que uma tigresa do zoológico do Bronx, em Nova York, contraiu o coronavírus de um tratador assintomático. Ou seja: o homem talvez tivesse direito ao código QR verde dos chineses, mas pode ter passado o vírus para um animal semelhante aos nossos cães e gatos, só que um pouco mais feroz. Sabe-se lá o que esse vírus maldito ainda pode nos aprontar.
Voltemos ao passaporte da imunidade e às dúvidas que ele gera. Como impedir que o atestado de cura se transforme num documento oficial de segregação? As pessoas saudáveis que não tiveram a doença terão que se contaminar para obter os mesmos direitos dos imunes? E os integrantes dos grupos de risco permanecerão confinados indefinidamente, enquanto seus parentes e amigos passeiam livremente pelos parques e praças? O Estado exercerá um controle totalitário sobre os cidadãos?
O passaporte da imunidade será bem-vindo, desde que não torne sem efeito o nosso passaporte de humanidade.
NÍLSON SOUZA
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