sábado, 7 de dezembro de 2019


07 DE DEZEMBRO DE 2019
CARPINEJAR

Lembrar de lembrar


Não tenho cara de agenda. Mas as pessoas mais próximas me confundem com ela. Sou um post-it gigante dos familiares. Deveria andar exclusivamente de amarelo. Olham para mim como se fosse uma memória adicional do celular. Não há problema em recordar de exames médicos e dentários, de provas, de prazos, de contas, de viagens. O que não suporto é lembrar e ter que lembrar de novo.

Odeio quando notifico esposa ou filho de algum compromisso, e recebo de volta: - Me lembre disso amanhã? Como assim? Nem um oficial de Justiça encontra tanto a porta fechada.

Eu já fiz a minha parte generosa de lembrar, preciso agora lembrar de lembrar amanhã? Por que não serve hoje? Por que não pode guardar a informação, agradecer o feito e me dispensar da tarefa?

É um teste abusivo de paciência, não basta chamar atenção, tenho que chamar atenção no dia e horário que desejam. Eles não podem sobrecarregar o sistema com a advertência dada naquele momento, acabo condicionado ao dobro de trabalho, a me regular a não esquecer pela segunda vez.

Em caso de não lembrar de lembrar outra vez, serei ainda castigado como o responsável pelo lapso:

- Pedi para que me lembrasse hoje do que disse ontem. Como alguém se esquece de lembrar do aviso, mas não se esquece de lembrar que eu não lembrei do aviso? É de enlouquecer. Venho funcionando como um despertador de casa. Não seria mais fácil colocar o alarme?

Quando me solicitam que recobre do assunto tempo depois, ligo a função soneca. Só que no meu caso não são oito minutos de toque, mas 24 horas de prontidão.

Não conto com o direito de sonhar e me distrair, condicionado a recordar de minhas atribuições e das atribulações de todos. O estresse me observa sempre ocupado a ponto de não querer me incomodar.

Acumulo calendários como se fosse um secretário informal, taquigrafando de pé, logo atrás de quem amo. Sou um escorpião bancando o siri, assistente pessoal do telefone, com a diferença de que gravo pendências em nome dos outros.

Não me custa nada assumir a condição de lembrete ambulante. Desde que ninguém adie o meu papel para uma data posterior, desde que não arranquem as minhas penas de pombo-correio.

CARPINEJAR

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