03 DE AGOSTO DE 2019
CARPINEJAR
O misterioso poço do elevador
Nunca me preocupei com o poço do elevador. Só que vi que sou uma exceção. Não é o medo de cair ou o receio da segurança da estrutura. Não tenho fobias de espaços fechados.
É a moda de perder objetos na fresta entre a porta e o interior. Fui conversando com amigos e todo mundo já deixou cair alguma coisa no minúsculo abismo. Mesmo que seja uma barrinha de cereal.
Eu me senti excluído dos acidentes da natureza. Dependendo do tamanho da abertura, que fica em leve desnível da entrada, é possível até extraviar óculos.
As mulheres são as mais prejudicadas, com brincos, colares e elásticos soltos em uma estabanada viagem ao térreo ou à garagem. Ao se distrair um pouco, corre-se o risco da queda de um pertence pelo túnel dos andares.
Tanto que, em alguns edifícios, é natural o zelador ter uma chave para atualizar o estado do secreto esconderijo. Eu descobri o costume na prática, como testemunha privilegiada.
Minha esposa Beatriz organizava a chegada do rancho, segurando a porta do elevador. Não é que a chave do carro terminou sugada pelo vão, entre o ir e o vir das sacolas de compras? Eu estava em pânico, querendo chamar o seguro do carro, achando que seria uma operação demorada da assistência técnica do elevador. Ela, por sua vez, pedia para ter calma, que logo resolveria. Piscianos são tão zen que chegam a dar raiva.
Em menos de uma hora, apertou o interfone o responsável pela manutenção. Acompanhei a expedição pela chave, que havia quebrado, e do chip, grão minúsculo que fora lançado para algum canto sujo do subsolo.
Com as lanternas dos celulares, ajudamos a revistar aquele improvisado Achados e Perdidos. Havia balas, chicletes, isqueiros, botões, coisinhas que ninguém se incomodou em recuperar ou prestar queixa. O que me impressionou foi o fato de encontrar uma aliança fincada na terra. Uma aliança de verdade. Pesado aro de uma relação.
Nem olhei o nome inscrito por dentro da peça. Deixei lá. Não iria avisar de sua existência aos vizinhos no grupo do condomínio do WhatsApp. Nunca se sabe onde estamos nos metendo e o que podemos gerar de divórcio, indiscrição e constrangimento. Vá que tenha sido intencional.
CARPINEJAR
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