sábado, 1 de agosto de 2015



02 de agosto de 2015 | N° 18245 
CARPINEJAR

Ratoeira do relacionamento


Se você dedicar seu mundo inteiro a uma pessoa, a entrega poderá ser vista como submissão. Você que está mergulhado no amor não percebe. Para você, é somente amor. Não representa obediência, escravidão, bajulação.

Não mede esforços para agradar sua companhia, para atendê-la, para fazê-la feliz.

É capaz de se endividar em segredo para corresponder suas expectativas. É capaz de omitir suas vontades para privilegiar os desejos dela. É capaz de não respirar alto dentro de casa para não atrapalhar.

Ela sabe que você é todo dela – eis o problema que também deveria ser a solução (afinal, ser todo de alguém é a premissa do amor).

Mas o alimento é a isca do veneno e você foi fisgado pela ratoeira do relacionamento: emparedado, encurralado, dependente, viciado, sem anticorpos, sem imunidade, sem defesa, preso em sua idealização.

Já se declarou ao extremo, eliminou qualquer incerteza de seu coração, assinou o atestado de óbito da solteirice. Sua doação não impõe mais desafio, não exige a reconquista de outra parte.

Está soterrado pela própria generosidade. De tanto dar, banalizou seu valor. Sua existência ficou barata. É um precatório a perder de vista.

Diante da exposição absoluta dos sentimentos, não é de duvidar que ela esnobe suas ações, conte que você come nas mãos dela, menospreze suas inúmeras gentilezas e deboche de suas constantes delicadezas.

Tornou-se inofensivo e previsível. Assumiu o risco de ser idiota e ingênuo, fragilizado em suas conexões com os amigos e familiares, absolutamente constrangidos com sua mendicância afetiva.

Atravessa um dilema sem saída. Ela jamais entenderá o peso de suas decisões, pois não mostrou seu sacrifício dia a dia, quis fingir uma naturalidade dos presentes, mimou e escondeu o trabalho por detrás de cada gesto, apresentou uma facilidade que não existia. 

Assim como pode tentar efetuar uma reprise de suas realizações dentro do namoro, apresentar os investimentos feitos, justificar sua abnegação, só que será inútil, não há estorno da espontaneidade, ela dirá que você está jogando na cara o que ofereceu de estorno da espontaneidade, ela dirá que você está jogando na cara o que ofereceu de graça, que vem cobrando os juros de sua falsa bondade.

Esta é a parada mais dura do romance, não vejo conserto da situação.

Ou está numa relação em que os dois entregam tudo ou tudo o que entrega será sempre nada.

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