quinta-feira, 10 de julho de 2025



10 DE JULHO DE 2025
EM FOCO - Leticia Mendes *

Polícia busca esclarecer a motivação do crime cometido por adolescente de 16 anos que invadiu o colégio no município de Estação, no norte do RS. Ele deve ir a julgamento. Um menino de nove anos morreu e três pessoas ficaram feridas

Uma cidade perplexa com a violência

Na manhã de ontem, pouco antes das 10 horas, um carro preto parou em frente à Escola Municipal Maria Nascimento Giacomazzi, em Estação, no norte do Estado. Do veículo, desembarcou uma menina loirinha com um vaso de flores amarelas na mão. Andou ligeiramente até o portão de grades - onde dois laços pretos simbolizam o luto da comunidade - e depositou o vasinho na calçada. Em silêncio, na rua vazia, retornou para dentro do carro, que partiu.

Por volta do mesmo horário, na manhã de terça-feira, um adolescente de 16 anos ingressou pelo mesmo portão. Ele chegou ao local numa bicicleta, tocou o interfone e pediu para entregar um currículo dentro da escola. Foi atendido pela equipe e entrou. No interior do prédio, disse que queria usar o banheiro. De dentro de uma mochila, retirou uma espécie de facão e deu início ao ataque que resultaria na morte de um menino de nove anos e deixaria outras duas garotas de oito anos feridas.

Durante a investida violenta, o adolescente entrou inicialmente numa sala de aula do 5º ano do Ensino Fundamental, mas foi expulso. Então seguiu na direção da sala do 3º ano, onde atacou as outras três crianças com maior gravidade. O menino Vitor André Kungel Gambizari estava no fundo da sala - ele não resistiu ao ataque.

Uma professora, de 34 anos, tentou salvar as crianças e conter o agressor. Ela foi atacada com cortes no tórax. A profissional e uma das meninas seguem hospitalizadas em Erechim. Segundo familiares, outras crianças teriam sido feridas, com menor gravidade.

Antes da ofensiva, o monitor Luís Carlos dos Santos, 56 anos, o tio Pelé, como é conhecido na comunidade, havia chegado à escola, como costuma fazer diariamente há quatro anos. Abriu o portão e aguardou a chegada dos professores e recebeu os alunos na entrada.

- A cidade parou. Esse silêncio que está aqui não é normal. A gente não tem palavras quase para dizer. Só Deus para confortar a família que perdeu esse guri e as famílias que têm as crianças que estudam aqui no colégio - desabafou na manhã de ontem, em frente à escola.

Quando viu que o adolescente portava uma faca, Santos gritou para que as crianças corressem. Foi o monitor quem conseguiu imobilizar o agressor e impedir que a tragédia fosse maior.

Em frente à escola, dona Ercinda Dala Corte, 76 anos, havia acabado de estender roupas no varal. Ouviu a correria e pensou que as crianças participavam de alguma atividade.

- Então ouvi o choro delas e entendi que não era. Elas estavam em pânico - recordou ela na manhã de ontem, na cozinha de casa, ao lado do marido Antonio Dala Corte, 86 anos.

Afetuosa, Ercinda, que é mãe de quatro filhos e se diz medrosa por desmaiar ao ver sangue, não hesitou. Avançou na direção do portão e gritou para que os pequenos entrassem. As crianças correram para dentro do pátio acompanhadas de uma professora. Foi quando a aposentada soube que um guri estava atacando a escola com um facão.

Por mais de uma hora, dona Ercinda recebeu pais de alunos, que vinham buscar os filhos. No início da noite, um deles retornou acompanhado de um dos meninos que se abrigou no pátio e uma flor, em agradecimento pelo gesto. Enquanto acolhia as crianças, dona Ercinda tentou acalmá-las. Um dos meninos, revoltado e em pânico, chegou a pegar uma enxada, dizendo que mataria o agressor:

- Eu disse para ele que isso não adiantaria. Não se resolve o mal fazendo o mal. Se resolve o mal com o bem. Tu és um menino bom. Aí ele largou a enxada.

Investigação

A polícia ainda apura o que motivou a investida e acredita, até o momento, que ele tenha agido sozinho. Segundo a investigação, o adolescente passava por tratamento psiquiátrico.

Após o ataque, o município suspendeu as aulas em toda a rede municipal. Uma das possibilidades analisadas era a de antecipar as férias de inverno. Após se reunir com profissionais da educação e psicologia, o prefeito Geverson Zimmermann chegou a falar na possibilidade de retomar as aulas o quanto antes. Porém, no final do dia, não foi definida data de retorno.

Como forma de dar suporte psicológico, a prefeitura disponibilizou um espaço na Casa da Cultura. Somente na terça-feira, foram realizados 15 atendimentos. Durante a manhã, a prefeitura realizou novo encontro com a comunidade escolar.

Retirada de mochilas

No fim da manhã, uma equipe retornou à escola, onde permaneceu por alguns minutos. Os laços amarrados ao portão foram desfeitos. Durante o ataque, enquanto fugiam, muitos estudantes deixaram todo o material escolar para trás. Os professores recolheram algumas mochilas e deixaram o colégio, em silêncio, logo depois. O vaso de flores permaneceu em frente ao portão. _

*Colaboraram: Rebecca Mistura e Gherusa Cassol

Segundo polícia, agressor não estaria arrependido

Segundo o delegado, o adolescente assumiu a autoria dos fatos e, agora, a investigação se dedica a entender o que motivou o ataque.

- Falamos (com o agressor) ontem e ele assumiu a autoria dos fatos. Mas claramente tem uma perturbação mental: durante a entrevista, ele olhava para o lado e parecia estar falando com outra pessoa, como se fosse um amigo imaginário. É bem alterado e não demonstrou arrependimento nem tem consciência do que fez - relatou o delegado.

Depois de ser ouvido pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, a Justiça determinou a internação provisória do adolescente por 45 dias. O caso tramita em segredo de Justiça por envolver crianças e adolescentes. Nesse período, ele deve passar por julgamento. Dependendo da decisão, o tempo de internação pode chegar a três anos.

Celular e redes sociais

Segundo o delegado, a Polícia Civil recolheu o aparelho celular do adolescente e faz varredura em seus acessos e redes sociais para identificar a possível motivação do crime:

- Estamos trabalhando com o Departamento de Informática da Polícia Civil, de Porto Alegre, que analisa o celular dele.

O quadro médico não está esclarecido, disse o delegado. O adolescente havia tido uma consulta com psiquiatra no dia anterior ao ataque, mas não é possível afirmar que qualquer diagnóstico tenha relação com o ato de violência.

- A família tinha conhecimento desse quadro, mas nunca houve qualquer ato violento antes. Ele não tinha antecedentes policiais, nunca brigou com ninguém na escola nem tinha inimigos, por exemplo. Tanto é que (o garoto) disse que escolheu a escola aleatoriamente - disse o delegado.

Segundo Lukaszewigz, o adolescente entrou na escola com um facão e uma faca de uso doméstico na mochila. Além da criança que morreu e dos três feridos, há pelo menos outros quatro alunos que se feriram em meio ao ataque.

Até o momento, não está claro se esses ferimentos foram efetuados pelo agressor ou pelo tumulto causado em meio à tentativa de sair do local. _

Menino foi sepultado em Getúlio Vargas

Uma das duas crianças e a professora atingidas no ataque à escola em Estação permaneciam hospitalizadas ontem.

Estado de saúde

A menina, que tem oito anos, sofreu traumatismo cranioencefálico e passou por cirurgia. O estado dela é estável, mas inspira cuidados, segundo boletim do Hospital Santa Terezinha, em Erechim.

A professora de 34 anos permanecia internada no Hospital de Caridade, também em Erechim, para observação. Conforme a instituição, ela está "muito abalada emocionalmente" e recebe acompanhamento do serviço de psicologia. A docente ficou ferida ao tentar intervir no ataque.

O ataque ainda deixou uma segunda estudante, também de oito anos, ferida. Ela foi atendida e liberada na terça-feira. _

"Como vou levar meu filho de novo para a escola?"

Munidos com cartazes com frases pedindo segurança e justiça, pais de alunos da Escola Municipal Maria Nascimento Giacomazzi reuniram-se em frente à instituição no início da tarde de ontem. Os familiares relatam que mais crianças - além do menino morto e das duas garotas que foram hospitalizadas - teriam sido feridas durante o ataque, com menor gravidade.

Mãe de um aluno de oito anos, Michele Giacomazzi, 43 anos, ficou sabendo por mensagem de uma amiga da filha que algo acontecia na escola onde o menino estuda no 3º ano do Ensino Fundamental.

Michele se desesperou ao saber que a turma atacada a golpes de facão era a mesma do filho. Alguém disse que parte dos alunos teria corrido para a casa da mãe de uma professora.

Michele reencontrou o menino, junto de dezenas de outras crianças, dentro da garagem da residência.

Medo

Ao lado da mãe, durante o protesto, segurando um cartaz com a frase "luto por Vitor André", o menino enxugava as lágrimas. Segundo a mãe, antes de ingressar na sala do 3º ano, o autor do ataque entrou na turma do 5º ano, onde outras crianças teriam sido feridas com menor gravidade. Elas não chegaram a ser hospitalizadas.

- Ele viu o primeiro ataque da 5ª série. Ele (o agressor) passou com o facão para o alto, ao lado dele. Eles (o filho e colegas) se abaixaram e depois saíram correndo - relata a mãe.

O filho de Michele saiu correndo pela rua. Na fuga, o menino caiu no chão e machucou os joelhos e um dos cotovelos.

- Como eu vou mandar meu filho de novo para a escola? - questiona Michele.

Bruna Calgaro Rogelin, 31 anos, mãe de outro menino do 3º ano, que estava na turma atacada, foi uma das primeiras a chegar ao local do protesto e pediu que a escola tenha melhorias na segurança. Ela salienta que outras crianças também tiveram ferimentos.

- As crianças estão em casa em pânico, chorando. Escutam um barulho e elas choram - diz ela.

Segundo Bruna, o filho está em estado de choque após o ataque. Ela relembrou a ação da professora de 34 anos e do monitor que ajudaram a salvar as crianças.

- Se não fosse por eles, poderia ter sido muito pior. Estamos aqui para pedir segurança e justiça por todos, pelo Vitor. Poderia ser o meu filho.

Ao fim do protesto, os pais rezaram uma oração de mãos dadas e fizeram um minuto de silêncio. 

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