
Welber Barral - Titular da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do governo federal entre 2007 e 2011 e consultor de empresas
"A arte da retaliação é provocar muita dor no outro sem causar problemas a você"
Welber Barral começou a receber pedidos desesperados de ajuda de clientes ainda na noite de quarta-feira, minutos depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou tarifa de 50% para todos os produtos que o Brasil vende a seu país. Isso significa que, mesmo prevista para vigorar em 1º de agosto, a medida já provoca efeitos sobre contratos e encomendas.
Existe possibilidade de haver revisão sobre essa decisão até 1º de agosto?
Trump é muito imprevisível. Quando aplicou medidas contra México e Canadá, vários colegas em Washington garantiram que era só blefe, que não seria aplicado. E foi. Depois, voltou atrás. A lição até agora tem sido a seguinte: é preciso negociar.
Agora é a nossa vez?
Sim, no caso do Brasil, a primeira providência é tentar negociar até o dia 1º. Para tentar, pelo menos, uma prorrogação. Essa foi a estratégia dos chineses. Tem que mandar (Geraldo) Alckmin (vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) a Washing- ton e começar a negociar.
O Brasil não tem terras raras, como a China, para colocar à mesa. O que pode levar?
Para definir a estratégia, seria preciso outra resposta que não está clara. O que os EUA querem? Não está claro. Primeiro, porque têm superávit com o Brasil. Trump reclama, especificamente, de medidas judiciais contra big techs. Mas são assunto de outro poder no Brasil que, de fato, é independente. Então, não tem muito o que fazer por aí. Talvez se possa fazer um compromisso de cooperação nessa área, ou qualquer coisa que a gente chama de safe face (ato que preserve a dignidade e evite humilhação). Na verdade, o Brasil já é muito aberto, não só para bens, mas para serviços americanos.
Uma das críticas que se faz ao governo Lula é não ter aberto canais de alto nível para negociação. É um fato?
As reuniões sobre essa matéria até agora foram entre Alckmin e (Howard) Ludnick, que é secretário de Comércio, e com (Jamieson) Greer, do USTR (United States Trade Representative), também tem nível de ministro. Houve três ou quatro reuniões. Foram positivas, mas nunca houve negociação efetiva porque os EUA nunca fizeram demandas efetivas. Quem tem hoje essa interlocução de alto nível é Alckmin. Fora isso, não há. O Brasil não tem, até por questões ideológicas, grande interlocução com o governo Trump.
Qual seria o peso de uma retaliação via patentes?
A arte da retaliação é provocar muita dor no outro sem causar problemas a você. O lobby mais poderoso em Washington é o das farmacêuticas americanas. Uma ameaça desse tipo com certeza mobilizaria todo o Congresso americano para evitar, além do Brasil, o precedente de um país importante, que poderia se estender a outros.
Como consultor, que tipo de pedidos têm recebido?
Desde quarta-feira à noite, explodiram os pedidos. Um cliente que exporta serviços de tecnologia perguntou se vai ser afetado. Não, a medida não é sobre serviços, mas bens, caso seja aplicada. Outra, do setor de aço, perguntou se, além da tarifa setorial de 50%, teria de pagar 50% a mais. A princípio, não. A tarifa setorial, não só para o Brasil, para o mundo, é uma medida 232, de defesa nacional. Nas listas de elevação tarifária, normalmente se exclui o que é aplicado sob essa norma. Mas depende do ato executivo que ainda vai sair.
Já afeta negócios?
Em tese, tudo que entrar nos portos americanos a partir da zero hora de 1º de agosto pagará a nova tarifa. Se há carga no mar que só vai chegar no dia 8, é afetada. A mercadoria pode voltar, ser mandada a outro país, negociar com importador para reduzir preço. Como a instabilidade é alta, as empresas não querem correr esse risco muito alto.
Que exportações aos EUA podem ficar inviáveis e quais podem sobreviver?
Não dá para fazer análise no primeiro mês, só em seis. Há muitas situações, contratos que já foram pagos, produtos que estão em zonas de exportação e vão entrar sem pagar tarifa nova.
O que pode frear Trump?
No primeiro mandato, havia "adultos na sala", agora escolheu uma equipe absolutamente fiel a ele. Três questões podem ajudar. Uma é o efeito sobre os mercados, principalmente quando a taxa de juro começa a subir. Foi quando ele voltou atrás. Outra é o lobby interno, ocorreu com eletrônicos, automotivo, que conseguiram exceções. A terceira são as eleições de midterm (meio de mandato) no ano Há risco para emprego?
Sim, um dos exemplos é o setor de calçados do RS. Tem poucas empresas que exportam para os EUA, mas quem vende depende muito do mercado. Se há vantagem é que, há 20 anos, um quarto das vendas nacionais ia para os EUA, hoje está ao redor de 10%. O Brasil não está na situação desesperadora de Canadá e México, que têm 80% de dependência. _
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