segunda-feira, 14 de julho de 2025


14 de Julho de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Pode entrar, seu lobo

Você sabe que está vivendo em uma sociedade fascista quando passa o tempo todo lembrando a si mesmo que não tem motivos para se preocupar.

Quando ouvi essa frase, algumas semanas atrás, logo lembrei daquele poema, muitas vezes atribuído a Brecht, que todo mundo conhece: "Quando os nazistas vieram atrás dos comunistas, eu fiquei quieto; eu não era comunista. / Quando eles vieram atrás dos sindicalistas, eu fiquei quieto; eu não era sindicalista. / Quando eles prenderam os social-democratas, eu fiquei quieto; eu não era social-democrata. / Quando eles prenderam os judeus, eu fiquei quieto; eu não era judeu. / Quando eles vieram atrás de mim, não havia mais ninguém para protestar".

Esse mea-culpa em tom poético foi escrito pelo teólogo conservador alemão Martin Niemoller (1892 -1984), que inicialmente apoiou Hitler, mas acabou sendo perseguido e preso em Dachau - de onde saiu vivo por milagre. Niemoller se arrependeu tanto da própria falta de noção inicial que dedicou os últimos 40 anos de sua vida a viajar pelo mundo denunciando o totalitarismo e defendendo a causa dos direitos humanos.

A paráfrase do poema foi dita pelo filósofo americano Jason Stanley em um vídeo publicado no site do New York Times em maio. No vídeo, Stanley e outros dois professores de Yale, o casal de historiadores Marci Shore e Timothy Snyder, explicam por que decidiram emigrar para o Canadá logo no início do governo Trump, antes que a barra pesasse ainda mais para os críticos do novo presidente. Shore compara os conterrâneos que ainda acreditam que os "freios e contrapesos" da democracia norte-americana vão colocar Trump nos eixos aos passageiros que acreditavam que o Titanic era inafundável. Erraram feio, erraram rude.

Nos últimos meses, o governo Trump trolou imigrantes, legais e ilegais, estudantes, professores, advogados, jornalistas, pesquisadores, universidades, centros culturais. Fora do país, impôs tarifas que soam - e são - aleatórias, inclusive para vizinhos, aliados e parceiros comerciais históricos. No meio de todo esse tiroteio, me peguei muitas vezes pensando como o sujeito que vê a desgraça batendo na porta do vizinho. Tanto o Brasil quanto os brasileiros que moram nos Estados Unidos, como eu, pareciam não fazer parte da lista de inimigos preferenciais. Na última semana, finalmente bateram na nossa porta. Ou melhor, nem precisaram bater: a família Bolsonaro estendeu o tapete e os convidou a entrar.

PS: O novo livro de Jason Stanley, autor do best-seller Como Funciona o Fascismo, acaba de sair no Brasil. Em Apagando a História (L&PM, R$ 70), Stanley reflete sobre os ataques da extrema direita à educação, identificando suas principais táticas, financiadores e raízes intelectuais. _

CLÁUDIA LAITANO

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