
EM FOCO
Prefeitura encerrou colaboração com instituto que geria casa de saúde. Medida acarretou a demissão de centenas de funcionários, além de causar insegurança entre pacientes e reações da parte de entidades representativas do setor
Entenda a crise do HPS de Canoas
A prefeitura de Canoas anunciou, no final da noite de quarta-feira, a extinção do termo de colaboração com o instituto responsável pela gestão do Hospital de Pronto Socorro (HPS) do município. A medida resultou na demissão de funcionários e na reação de entidades representativas do setor.
Segundo a Secretaria da Saúde de Canoas, os atendimentos de emergência do HPS serão mantidos pela equipe do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG). Desde a enchente de 2024, o Pronto-Socorro funciona na estrutura do Gracinha, como é conhecida a unidade.
Na tarde de ontem, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) acionou o Ministério Público para que a Justiça determine a intervenção estadual na gestão da Saúde em Canoas. O documento aponta, entre os motivos, a falta de estrutura adequada para o atendimento de politraumatizados.
A Secretaria da Saúde de Canoas extinguiu o termo de colaboração com o Instituto Administração Hospitalar e Ciências da Saúde (IAHCS), responsável pela administração do HPS. A parceria havia vencido em 27 de março e não foi renovada pelo município.
A prefeitura determinou a desocupação do HPS e do Gracinha, incluindo a retirada de móveis e a devolução de documentos e chaves. O município de Canoas tem uma dívida de cerca de R$ 55 milhões junto ao IAHCS.
Relação "degradou"
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o secretário de Saúde de Canoas, Marcelo Reis, afirmou que a relação entre o instituto e a pasta se "degradou" desde a enchente de 2024.
Em nota, o IAHCS se disse "surpreendido" com a notícia, que impactou o "exercício dos plantões assistenciais".
"Somos reconhecidos pela idoneidade institucional e pelo compromisso contínuo com a assistência qualificada, construindo diariamente relações de confiança com os usuários, gestores públicos e profissionais de saúde", diz o comunicado IAHCS.
O IAHCS era responsável por cerca de 603 colaboradores do HPS - 75 médicos efetivos no hospital, conforme levantamento de Zero Hora.
Profissionais contratados pelo instituto alegaram ter sido comunicados sobre as demissões ainda na quarta. Foi o caso da enfermeira Thatiane Fragoso, que recebeu, por meio de uma mensagem no celular, a notícia de que ela e outros colegas estavam demitidos.
- A gente recebeu a notificação de que estávamos todos na rua, demitidos, via WhatsApp. Acabei saindo do plantão após 12 horas, às 20h, e recebi a comunicação às 21h30min nos grupos do próprio hospital que a gente tem. Retornei até o hospital, onde já estava instaurado o caos - relata.
"Direitos garantidos"
O secretário da Saúde informou que o município vai repassar ao instituto todos os valores para o pagamento dos salários e das rescisões dos funcionários demitidos.
A prefeitura exige que o aviso prévio dos empregados vinculados às atividades seja pago e dá um prazo de 30 dias para que seja apresentada uma planilha detalhada dos cálculos rescisórios dos colaboradores e documentos que comprovem providências para quitação das dívidas.
Já o IAHCS manifestou "sua atenção e preocupação com os colaboradores impactados pela medida, reafirmando seu respeito e cuidado com todos os profissionais que compõem a equipe".
A previsão é de que o salário referente ao mês de maio seja pago hoje e que, em 10 dias, os demais valores sejam calculados e encaminhados à prefeitura. _
Impactos da cheia
O Pronto-Socorro de Canoas é referência para mais de 150 municípios, atendendo até 2 milhões de pessoas. O edifício, localizado no bairro Mathias Velho, foi evacuado em 4 de maio de 2024, em razão da enchente.
Com um prejuízo avaliado em R$ 70 milhões, o prédio do HPS foi fechado, e as atividades foram transferidas para o Nossa Senhora das Graças, no bairro Marechal Rondon. Desde então, a equipe do HPS é responsável pela porta de urgência e emergência das duas instituições.
A sede do HPS de Canoas só deverá voltar a receber pacientes em janeiro de 2026. O cronograma inicial da obra de reconstrução está atrasado e, com isso, há retenção dos valores pela Caixa Federal. A situação afeta a etapa de execução da parte elétrica e hidráulica.
Gracinha assume os atendimentos
A equipe do Nossa Senhora das Graças assumiu os atendimentos do HPS, que funciona temporariamente junto ao Gracinha. Segundo a diretora do hospital, Daniela Oliveira, o quadro de funcionários disponíveis é suficiente.
- O Hospital Nossas Senhoras das Graças não tem como saber quantos funcionários estavam atuando (no HPS). (...) Se separar a assistência e operação do administrativo, não são 500 pessoas que deixam de dar assistência à população - disse Daniela em entrevista à Rádio Gaúcha.
Falta de profissionais
Familiares de pacientes, no entanto, relataram à Rádio Gaúcha que o Gracinha chegou a registrar falta de médicos traumatologistas durante a manhã de ontem. Profissionais dessa especialidade, contratados no regime CLT pelo IAHCS, não aceitaram continuar trabalhando como pessoa jurídica (PJ) no HNSG, que precisou destacar médicos da própria equipe para suprir a demanda.
Haveria, ainda, poucos médicos vasculares atendendo no local. A escala deve ser fechada até domingo, prazo que os profissionais desligados têm para aceitar ou não a proposta para permanecer atuando no hospital. Segundo o Nossa Senhora das Graças, 15 técnicos em enfermagem e dois enfermeiros que trabalhavam vinculados ao IAHCS vão passar a atuar na equipe do hospital.
Audiência de conciliação
Além do Cremers, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) pediu uma intervenção do governo do Estado na gestão do HPS de Canoas. Conforme o presidente do Simers, Marcelo Mathias, o pedido de intervenção já havia ocorrido antes, em uma ação judicial.
Segundo o sindicato, a Justiça designou uma audiência de conciliação para hoje, às 14h, na 3ª Vara Cível de Canoas, com a presença do Ministério Público, da prefeitura, das secretarias Municipal e Estadual da Saúde, da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e do Simers.
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, a secretária de Saúde do RS, Arita Bergmann, afirmou que, se provocado, o Estado iria avaliar uma intervenção no HPS de Canoas.
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