quinta-feira, 31 de outubro de 2019


31 DE OUTUBRO DE 2019
EM DIA

RICOS REBELDES

As megamanifestações separatistas em Barcelona mostram que mesmo povos cultos e de bem com a vida podem cair na armadilha do radicalismo e da xenofobia. Por isso, não considero razoáveis nem folclóricas as vaias das torcidas locais ao hino nacional antes dos jogos. Separatismos, racismos e outros preconceitos alimentam-se da tolerância quando parecem inofensivos, mas são de difícil reversão depois de se alastrarem. Todo separatismo acena para uma utopia: o mundo será outro após a secessão. Comove adeptos pela simplificação do diagnóstico: os problemas - existentes em qualquer lugar e tempo histórico - teriam uma única causa. E a solução viria como mágica após uma independência enaltecida.

Não me refiro às manifestações legítimas de povos que se rebelam por serem colonizados ou subjugados, ou por uniões e anexações artificiais, como o Império Austro- Húngaro, o Leste Europeu na Guerra Fria ou a antiga Iugoslávia. A novidade dos atuais separatismos é partirem das partes ricas de seus países, como é o caso da Catalunha. 

Mas também da Lombardia e de Vêneto (da Itália), Antuérpia (Bélgica) e até Califórnia (EUA). São regiões de países democráticos, que já gozam de autonomia e forjam o imaginário de serem exploradas pelo "resto do país", que as sugaria com a transferência de impostos. No caso da Catalunha, faziam sentido os protestos na era franquista, quando se proibiram a língua e a cultura catalãs, bem como a autonomia política local. 

Hoje há ampla liberdade, tal como em qualquer federação democrática. Sentir-se subjugada e recorrer à História para justificar é de difícil sustentação: a Espanha resulta de união de reinos (Castela, Leão, Aragão, Galiza, Navarra) cuja unidade ganhou impulso para enfrentar um inimigo comum: os mouros, que dominaram a península Ibérica por mais de cinco séculos. A Catalunha era um pequeno condado cristão que poderia ser mouro ou francês, pois a vassalagem era reivindicada pelos reis da França.

A contradição dos separatistas é não reconhecerem que enriqueceram justamente por gozar das externalidades positivas de pertencerem a um todo que lhes assegurou mercado consumidor e matérias-primas para expandirem suas indústrias, segurança militar e institucional, transportes e infraestrutura. Seriam ricas e exploradas. A riqueza caiu do céu.

PEDRO DUTRA FONSECA

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