sábado, 19 de outubro de 2019



19 DE OUTUBRO DE 2019

DAVID COIMBRA

O mundo não terá mais brinquedos

Quando meu filho era pequeno, tinha um brinquedo que ele queria muito: a caverna do Batman, da Imaginext. Era um sistema complexo, com a caverna em si e mais o batmóvel, o batcóptero, o Robin e não sei mais o quê. Mas era um troço caro, acho que uns R$ 400. Então, demorei um pouco a comprar. Ao fazê-lo, foi em segredo, sem contar para ele. Fui à loja e voltei com a caverna. Abri o pacote e coloquei-a em cima de uma estante alta que havia lá em casa, sobre uma porta. Ele chegou e eu apontei para o presente:

- Olha ali: é teu. Mas só quando tu deixar de chupar bico!

Ele ficou num estado de excitação e de ansiedade do qual nunca esqueci. Abria a boca como se quisesse sorver todo o ar da sala, balançava os braços como se quisesse voar, não sabia se aquilo, afinal, era bom ou ruim. Claro que tirei a caverna da estante e dei para ele, sem esperar pela desistência do bico. Foi lindo ver sua emoção. Como era bom dar um brinquedo de presente para o meu filho.

Mais tarde, quando já morávamos nos Estados Unidos, fomos a uma famosa loja de brinquedos que há em Nova York. É a loja que aparece naquele filme que lançou o Tom Hanks para o sucesso, lembra? Quero Ser Grande. Entramos no lugar e fiquei encantado. Dava vontade de brincar com todas aquelas maravilhas, e era realmente o que eu fazia, experimentava um brinquedo e outro e mais outro, me divertindo muito, até que meu filho me puxou pelo braço e pediu:

- Vamos indo? Pisquei:

- Mas tu não vais escolher um brinquedo? Pode escolher?

- Não precisa, obrigado.

Foi aí que me dei conta: meu filho não brincava mais com brinquedos. Nenhum dos amigos dele brincava antes ou brinca agora, nenhum, nem nos Estados Unidos, nem no Brasil. Eles só querem saber de jogos eletrônicos.

Essa constatação me fez sentir certa melancolia. Lembrei-me com nostalgia do meu Forte Apache. Hoje, os guris não apenas não brincam com Forte Apache, eles nem fazem ideia do que seja, mas na minha infância havia até um prédio em Porto Alegre que chamavam por esse nome, inspirado no título de um filme do John Wayne.

O meu Forte Apache, de plástico, com caubóis, soldados e índios pequeninhos, não era inspirado no filme, era inspirado no Rin-Tin-Tin.

Os guris também não conhecem o Rin-Tin-Tin. Era o pastor alemão do cabo Rusty, um menino que havia sido adotado pelo batalhão do exército americano que ficava sediado no?... no?... Forte Apache!

O cabo Rusty, quando estava em apuros, como em um ataque de índios ou de bandidos, gritava:

- Aiôôôô, Rintin!

E o Rin-Tin-Tin saltava sobre o agressor, feroz e cheio de dentes, e salvava o menino.

Rin-Tin-Tin, o cachorro, existiu mesmo. E era um pastor alemão MESMO. Um soldado americano trouxe-o da Alemanha para os Estados Unidos depois da Primeira Guerra Mundial. É por causa dele, Rin-Tin-Tin, que pretendo dar um pastor alemão para o meu filho. Ele vai ser grande e feroz e vai se chamar Murder.

O Forte Apache era o meu brinquedo preferido na primeira infância. Mais tarde, na idade do meu filho hoje, 12 anos, eu jogava botão TODOS os dias. Tinha mais de 10 times e ninguém me batia no campo de parquê da casa da minha mãe. Sim, eu era "David Coimbra, o invencível".

Meu time tinha dois zagueiros com três camadas, altos e fortes, e um puxador de duas camadas na meia-esquerda, o Rivellino, que era azul-escuro em cima e branco embaixo, que, nossa!, como fazia gol, o Rivellino. Ninguém me ganhava.

"O invencível".

Mas uma vez perdi um campeonato para o Diana e ainda não me perdoo por isso. Talvez eu tenha tremido na decisão, sei lá, foi um revés inexplicável. Ele hoje mora em Santa Catarina e ainda guarda a tacinha que ganhou de mim, o desgranido.

Era bom jogar botão, brincar de Forte Apache, de bolinha de gude, era bom puxar carrinho?

E agora as crianças não querem saber mais de brinquedos?

Será que isso produzirá algum efeito nesses meninos, quando eles se tornarem adultos? Como será o mundo dos homens que nunca brincaram com brinquedos? Terão mais imaginação do que nós? Menos? Ou não faz diferença?

Não sei qual é a resposta a essas perguntas, só sei que, às vezes, chego a sonhar que estou manejando o meu time de botão. Tenho a ficha de plástico na mão direita e a bolinha está no ataque. Aviso para o adversário:

- A gol!

Ele ajeita o goleiro. Eu me concentro. Olho para a goleira. Olho para o meu puxador. Apoio a ficha no botão. E: - Gooooool do Rivelliiiiiiiino! David Coimbra. O invencível.

DAVID COIMBRA

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