sábado, 26 de outubro de 2019



26 DE OUTUBRO DE 2019
CARPINEJAR

Homens são cachorrinhos quando apaixonados

Todo adulto, quando faz carinho em um cachorro, altera a voz. Essa voz infantil e cantante é também a dos apaixonados. Não precisamos descobrir se alguém está amando pelos olhos, basta escutar o esforço sonoro para ser agradável.

O apaixonado torna-se um animal adestrado. Murmurando. Pausado. Soletrado. Rimado. Vive dentro de um musical de quatro pernas que só há dentro de sua cabeça.

Não fala, na verdade, vai mais lembrando do que falando, revivendo ápices dos encontros passados, com intervalos comerciais da saudade. Dá até raiva de abordá-lo se você está apressado. Ele não tem foco nenhum, como se vivesse distraído, dopado, abobado, em transe. Direcionou seu corpo exclusivamente para a encenação da conquista.

Talvez o apaixonado tenha reencontrado a ingenuidade da esperança e retrocede ao tempo verbal do jardim de infância. Não existe mais naturalidade do timbre. Vem açucarado, estranho, meloso, com diminutivos e exclamações.

Empresários, executivos, engenheiros, advogados - gente engravatada e séria! - começam a ter ataques de meiguice no discurso. Inventam de propor brincadeiras quando o assunto é pesado, esquecem horários, aumentam o tempo do lanche e do cafezinho.

Tornam-se cachorrinhos abanando o rabo, felizes, correndo de um lado ao outro para expor o vigor.

Mas a característica mais dominante é mudança de tom grave para o agudo. Diminuem a voz para fazer charme, para mostrar que estão interessados e oferecendo atenção especial a quem gostam.

O crush desejoso de um relacionamento sério modula a sua locução querendo gerar confiança para a aproximação da parceira. Acredita que a conversa sussurrada transmitirá a imagem de que é doce e inofensivo. Esconde qualquer alteração que possa denunciar perigo, rudeza ou agressividade.

A atração se revela sempre no volume da fala. Baixo, significa que o homem está entregue. Alto, indica que não está nem aí.

Um diálogo entre apaixonados é igual aos dengos de um tutor com seu mascote. O que explica a submissão masculina no início do romance.

CARPINEJAR

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