sexta-feira, 26 de julho de 2019



LIVROS Edição impressa de 26/07/2019. 
Alterada em 26/07 às 03h00min - Jaime Cimenti

Martín Fierro, a Bíblia Gaúcha 

 Os argentinos não exageram nem um pouco quando dizem que o imortal clássico Martín Fierro, do argentino José Hernández, é a Bíblia dos Gaúchos. 

Nos sete mil e duzentos versos do poema escrito há quase um século e meio, estão todas as manifestações que identificam e aproximam os habitantes do pampa. Religiosidade, arte de cantar, bons tempos, injustiças, recrutamentos, vida nos quartéis, lutas a ferro branco, vida de renegado, retorno ao rancho, encontro com Cruz, o trato com as mulheres e os bens que Deus deu aos homens estão em Martín Fierro, que acaba de merecer nova e cuidadosa edição bilíngue, da Editora Movimento. A tradução, as notas e um dos textos de apresentação são do consagrado homem de cultura Colmar Duarte, que dedicou uma década de trabalho para a tarefa. Colmar leu a obra há 60 anos e depois da releitura escreveu: "Segundo das palavras de Borges, li dois livros diferentes. 

Aquele encantava pela força da descrição das peleias de facão, pelo telurismo hostil do pampa deserto, pela rudeza da vida nos quartéis, pelo burburinho alegre das pulperias, pelo alarido empoeirado das correrias da indiada. Este me surpreendeu pelo estoicismo que fortalece a alma, pela experiência que ensina, pela universalidade de seus conceitos, pela sabedoria que dignifica o homem e redime as injustiças". 

José Edil de Lima Alves, professor, doutor em Letras e membro da Academia Rio-Grandense de Letras, escreveu: "Senhor de um conhecimento estribado nas leituras dos mais renomados autores argentinos, uruguaios e brasileiros, mormente os sul-rio-grandenses, e em sua vivência como homem do campo, Colmar, conservando o peculiar sabor da redondilha maior, tão caro às poéticas literárias de raízes espanholas e lusitanas, neste trabalho dá-nos uma magnífica oportunidade de adentrarmos ainda mais no conhecimento desta tão sofrida América do Sul". 

Na introdução há textos dos professores Élida Lois e Carlos J. Appel e reprodução de carta de José Hernández, de dezembro de 1872, ao editor José Zoilo Miguens. A capa da obra traz imagem de escultura do grande Vasco Prado e as ilustrações internas são de Ricardo Duarte. 

Essa importantíssima edição teve o apoio da Unimed Uruguaiana. 

Dia do amigo 

Sábado passado, 20.07, comemoramos no Brasil mais um Dia do Amigo, celebração que homenageia a chegada do homem a lua em 20.07.1969 e que a partir do século XXI passou a integrar o calendário de muitos países. Em 2011 a Organização das Nações Unidas convidou todos os países a celebrar o Dia da Amizade, em 30.07.2011. Não foi feriado no Dia do Amigo, mas até poderia ter sido, para maior confraternização entre as pessoas. 

Amizade é sentimento milenar que, com a internet e as redes sociais, ganha incalculável dimensão nestes tempos de relações humanas complexas, difíceis, briguentas e, como sempre, desde que o mundo é mundo, tendentes à ruptura. Algumas amizades desafiam o tempo, o espaço, os egos gigantescos e só acabam quando um dos amigos se esquece de respirar. Meu pai morreu de repente, aos 67 anos. Uns quarenta minutos depois chegou Olindo Pozzobon, 69 anos, seu amigo há sessenta anos, desde os tempos da Itália. Chorando, olhando o amigo com quem vivia conversando e falou: "Tu te foi, meu amigo. Tínhamos muito que conversar". Boas conversas com amigos nunca terminam. 

Nas redes sociais onde predominam sentimentos não tão nobres como a amizade, o Dia do Amigo foi uma maravilhosa trégua, com frases, cartões, filmes, mensagens e canções fraternas. Roberto Carlos cantando Amigo para Jô Soares, os dois chorando; James Taylor cantando You've got a friend (canção que alguns associam a criação e as palavras com Jesus); Pavarotti, Carreras e Plácido Domingo cantando Amigos para sempre e Milton Nascimento com sua Canção da América são alguns tons emocionante. Amizade é unanimidade boa, tipo árvore, mar, estrelas, lua. Ninguém é contra. 

Relações familiares tantas vezes terminam, amizades iniciadas no trabalho nem sempre continuam, relações de alunos com professores quase sempre duram até as férias, muitas relações conjugais acabam. Melhor discordar, amavelmente, do saudoso Millôr Fernandes, que dizia: "O pior casamento é o que dá certo". Ninguém precisa nem deve ser amigo de todo mundo. Até os paranoicos tem inimigos, faz parte. Amigo de todo mundo quase sempre é amigo de ninguém. Alguns amigos, contados nos dedos de uma ou das duas mãos já estão de bom tamanho. Numa era de relações líquidas, voláteis como as ações e os papéis da Bolsa, a amizade não é o ouro das relações, é o diamante. 

O ouro das relações é a emoção, irmã gêmea da amizade. Medalha de prata para o respeito e de bronze para a aceitação do outro (ia dizer tolerância, mas mudei, que tal?). Começo a escrever e longo baixa o Mario Quintana, o Anjo Malaquias, que escreveu: "Amizade é quando o silêncio a dois não se torna incômodo. 

Amor é quando o silencio a dois se torna cômodo". Pela frequência com que o Mario me visita, sigo acreditando em anjos e agradecendo pelas palavras de quem viveu da e para a poesia, em meio a muitos amigos e leitores, que, como ele dizia, eram todos poetas inéditos. - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2019/07/694616-martin-fierro-a-biblia-gaucha.html

Nenhum comentário: