sábado, 27 de julho de 2019



27 DE JULHO DE 2019
CLAUDIA TAJES

A tinhosa

Tudo certo para uma noite muito esperada, nada de festa, sexo e loucuras, algo muito melhor do que tudo isso junto. Uma noite de sono. O banho deixou na pele aquele cheiro reconfortante de sabonete que se espalha pelas cobertas, a coluna vertebral enfim terá seu prêmio por segurar no osso - literalmente - mais uma jornada: o colchão. Não foi um dia fácil, os dias não têm sido fáceis. Nada que se compare ao perrengue que tantos vêm passando, mas o cansaço é forte. Você decide que não vai ler, nem espiar a vida excitante dos outros nas redes sociais. Então puxa o edredom até a cabeça, apaga a luz, fecha os olhos para antecipar a delícia de não existir por algumas horas. E continua acordado.

Por que ela aparece assim, do nada, sem aviso, sem convite? Sem ter dado uma pista de que surgiria no escuro do quarto, na beirada da cama? Insônia, sua bandida. Danada. Safada. Pulguenta. Filha do tinhoso. Sua coisa ruim.

Quanto mais você lembra que precisa acordar cedo, que não se beneficiará sequer da função soneca do despertador, a corda no pescoço no dia seguinte, mais espaço ela ocupa. No início, seu otimismo acredita que a visita será breve. Tão logo termine de se culpar pelo trabalho que não terminou, e sofrer pelos boletos que não pagou, vai fechar os olhos e entrar naquele estado maravilhoso do nada, a alma fora da tomada. 

Vã esperança. Você já pensou no trabalho, nos boletos, na discussão com a colega de escritório, nas provas da faculdade, na lição de casa que o seu pequeno não fez, na ração da gata que você não comprou e até na roupa que esqueceu dentro da máquina. Só lavando de novo para tirar o cheiro de cachorro molhado que, talvez seja paranoia sua, já dá para sentir no quarto.

Insônia, sua infeliz. Miserável. Medonha. Diabólica. Pérfida. Capeta. Sua biltre.

Agora ela já não é visita, chuta suas canelas, faz bololô nas cobertas. A você resta a bordinha da cama, como quando seu marido abre os braços na queen size. Ou quando a sua namorada executa, dormindo, o espacato que faria o cotovelo da Daiane dos Santos doer. Ficar insone ao lado de alguém que rapidamente passa para o estágio mais profundo do sono significa se adaptar ao que sobra, alguns centímetros de área, um pedaço de lençol. De pouco adianta cutucar aquele/aquela que, ao seu lado, ressona. O sono alheio é egoísta, é mertiolate na ferida.

Mequetrefe. Pulha. Sacripanta. Sórdida. Chata de galochas. Futre. Nóxia. Tóxica. Insônia, sua mistura de mal com atraso e pitadas de psicopatia.

Você faz o seu Esta é Sua Vida em looping e, a cada edição, entram mais personagens que o certo seria não lembrar. Vontade de processar uns e outros pelo sono perdido. Talvez a sua advogada encontre alguma brecha na lei para isso. Aos poucos você entra na fase dos planos mirabolantes. A exaustão é tamanha que as ideias mais estapafúrdias parecem saídas perfeitas. 

O Macedo acaba de dar bom dia para os ouvintes no rádio. Alguma claridade já atravessa as frestas da persiana. Justo agora que a cama parece abraçar e que vem um calor tão bom do corpo ao seu lado. Aliás, se não fossem os roncos, você diria que era um corpo mesmo, nenhum outro sinal vital há horas. Seus olhos pesam, pesam, pesam até fechar. Por alguns instantes, a cabeça vazia. Até que o despertador toca.

Insônia, sua desalmada. Sem serventia. Insensível. Perversa. Malévola. Moléstia da peste. Malvada. Se vier deitar comigo esta noite, vê se me traz um bom assunto para a coluna da semana que vem. Sua celerada.

CLAUDIA TAJES

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