06 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR
Ameaça dói
Meu amigo mais medroso da escola era o Fabiano. Quase meu xará. Ele vinha antes de mim na lista de chamada. Ele tinha medo de pular muro, de subir em árvore, de atravessar pinguelas, de caminhar em parapeito de pontes. Empacava as nossas aventuras pelas frutas e adrenalina do bairro. Inclusive estragava o futebol, completando o time de goleiro e fugindo da bola.
Demorei a descobrir a origem de seu pânico, mas tinha um destino certo: o seu pai.
Em uma noite dormindo lá em casa, depois de três séries juntos, ele finalmente contou que seu pai o jurava constantemente com sentenças de surra. Sempre estava prestes a lhe dar um corretivo. Só o assustava, nunca consumava o fato, o suficiente para gerar um terrorismo psicológico intermitente.
Ele não previa quando iria apanhar. Ou seja, poderia ser a qualquer momento e ficava tenso em toda conversa e aproximação, tentando adivinhar o humor paterno pelas sobrancelhas e palavras. Talvez não tivesse na vida outra ocupação que não fosse olhar o seu pai atentamente.
Seria até melhor levar pancada logo do que experimentar uma eterna véspera da agressão. Seria até melhor ser posto em castigo logo, a sofrer um infinito cativeiro emocional.
O pai tinha estratégias de tortura diante de alguma molecagem ou nota ruim. Mostrava a sua mão comprida e dizia para ele tocar nela:
- Vê como ela é pesada e enorme? Agora pode imaginar o estrago que eu faria em seu rosto.
Além disso, tirava o cinto e mostrava a fivela.
- Não tem ideia do que esse aço faz na pele.
Fabiano se encolhia. Fugia de viver não somente em casa. Na rua, seguia confuso e desnorteado, presa fácil de atropelamento nas grandes avenidas. Eu era obrigado a puxar o seu braço para evitar o pior.
Desconheço onde anda o meu colega e se, por acaso, conseguiu se curar de suas fobias. O que guardo dessa confissão é que somos arrebentados mentalmente pelas ameaças.
As ameaças jamais terminam de sangrar, as ameaças jamais cicatrizam, as ameaças jamais são esquecidas, repetidas sem pausa no córtex do coração.
A violência dos gritos e das censuras apequena os filhos, incapazes depois de se sentirem amados em seus futuros relacionamentos.
Não apenas a palmada dói, a promessa de palmada dói ainda mais.
CARPINEJAR
Nenhum comentário:
Postar um comentário