CARPINEJAR
Presente simbólico ou sentimental
Há uma grande diferença entre o presente simbólico e o sentimental.
No presente simbólico, o outro descaradamente não quer gastar. Deseja comprar qualquer coisa somente para a data não passar em branco. Vai errar com certeza o destino da escolha. Não pretende agradar, mas apenas se livrar da tarefa. Já vai com má vontade na loja. É capaz de comprar uma manta no verão, um chinelo no inverno. Tropeça na estação equivocada do carinho.
Não tem cuidado para estudar a personalidade do presenteado. É o cara de pau que aparece com pacote de meias em promoção. Quando não recorre a um brinde parado em sua própria casa, embrulhado como camisa depois de festa, com papel reciclado de alguma comemoração antiga. É uma lembrança, uma péssima lembrança, onde a avareza é que manda. O agradecimento será educado, jamais sincero.
Já o presente sentimental é igualmente barato, porém revela um conhecimento íntimo do aniversariante. É quando existe a devolução do olhar mais atento, a recuperação de relíquias de uma vida, a devolução do passado mais precioso. O presente pode não ser caro, só que envolve pesquisa e esforço para achá-lo. Significa que alguém dedicou parte do seu tempo para procurá-lo, contrariando passagens rápidas em shoppings e lojas de conveniência.
Mimo que provoca o choro, o engasgo, a autêntica surpresa, com aquela pergunta vaidosa por dentro do silêncio: "Como sabia que era importante para mim?".
Existiu uma investigação da sensibilidade, um acompanhamento em tempo real dos desejos mais recônditos. Quase como um achados e perdidos da alma. Não é somente um presente útil, é um presente raro.
Minha mulher localizou a máquina de escrever Lettera 82 verdinha numa feira de artesanato, pois guardou a informação de que comecei escrevendo poesia no modelo igual. Eu não contive a minha felicidade. Vinha até com o estojo para carregar nas viagens. Estava mais conservada do que a que perdi na adolescência. E ela ainda teve o capricho de adquirir fitas reservas para não faltar tinta nas peregrinações pelos versos.
Meu filho, por sua vez, encontrou os diários de meu cineasta predileto, Tarkovski. Como ele lembrou? A gente imagina que ninguém nos escuta e, de repente, vem a materialização de conversas esparsas e distraídas da convivência. Minha filha construiu um abajur de papelão porque eu sempre lamentava a ausência de um objeto bonito na mesinha da sala. Ela entendeu a minha indireta, mesmo quando não contava com discernimento total daquela necessidade. Falei por falar, e fui amado em dobro.
O presente simbólico preocupa-se com o preço. O presente sentimental é feito para recuperar o nosso valor.
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