sexta-feira, 29 de setembro de 2017



Jaime Cimenti

Caminhando pela Redenção 

Saio da redação do glorioso Jornal do Comércio, o jovem octogenário de blazer azul em plena forma, sigo pela avenida João Pessoa e vou para a Redenção, ou Parque Farroupilha, se o leitor gaudério prefere assim.

Chegando lá, tarde de sol de início de primavera, começo a caminhada. Cinco e meia, pessoas tomam chimarrão, namorados namoram, algumas pessoas correm, outras caminham, crianças jogam bola ou andam de bicicleta e eu sigo nas aleias ensaibradas, evitando os matinhos e espaços despovoados, com medo de algum assaltante vespertino. Nos bolsos levo apenas uns trocados e a vontade de flanar.

O Adão me orientou a não levar o celular e as chaves do carro. Obedeci, claro, que não sou tão bobo, e o Adão é esperto. Imagino que aquele grande espaço, no meio do parque, onde está o chafariz, é Paris, a Champs Élysées, o Central Park nova-iorquino ou o Hyde Park londrino e contemplo os gramados, as árvores, os arbustos, as folhagens e as flores, enquanto os sabiás de setembro fornecem a trilha sonora adequada para minhas viagens mentais.

Descanso um pouco do tenebroso noticiário político-econômico-policial e dos escândalos das organizações criminosas municipais, estaduais e federais e respiro o ar do relaxamento possível. Está difícil ficar no Brasil e complicado sair. A coisa tá osca. Melhor seguir rezando para Nossa Senhora Aparecida descolar a economia da política e ir tocando o barco do que jeito que dá, enquanto uma bala perdida não nos alcança e o dia amanhece mais uma vez.

Melhor buscar um pouco de refúgio no passado, sem saudosismo, e pensar que a Redenção é o pátio de nossas melhores memórias, que por ali circulam nossas várias infâncias e idades, que aquelas árvores testemunharam, testemunham e vão testemunhar nossos pensamentos e ações. A Redenção é a eternidade porto-alegrense, o campo da lembrança, do presente e do futuro infinitos, mesmo sem os bichos do zoológico e mesmo sem os monumentos e placas remanescentes em melhores condições.

No meio do gramado o gaúcho de pé, em bronze eterno, mira o pedaço de pampa fake do parque e a modernidade urbana dos prédios da Ufrgs e parece dizer que a vida continua, que os sonhos foram, são e serão o essencial dos dias. Parece dizer que, mesmo sendo um gaúcho a pé, não deixa de ser um bagual que não se entrega assim no mais, como na linda canção clássica de Antonio Augusto Ferreira e Ewerton Ferreira, imortalizada pela interpretação de Leopoldo Rassier e merecidamente vencedora da Califórnia da Canção Nativa.

A temperatura vai caindo, o sol vai se despedindo e a caminhada vai dando os últimos passos. Os pedalinhos aguardam, perfilados, pelas filas dos feriados e dos fins de semana e o trenzinho está a postos para as próximas viagens. Bem que o aluguel de bicicletas poderia voltar e o café do lago já poderia estar funcionando, como esteve. E não seria possível charretes circulando pelo parque, ocupando os cavalos e carroceiros que a municipalidade quer desempregar? Cartas para a redação.

a propósito...

Podemos cuidar melhor da Redenção, ou Parque Farroupilha. Ela é o coração verde, amarelo e vermelho da Capital. Precisamos falar sobre cercamento, ao menos de parte, do local. Aluguel de bicicletas, charretes, café do lago, recuperação e manutenção de placas e monumentos e outras ideias tornarão ainda melhor esse espaço sagrado.

Quem caminhou, caminha e caminhará por ali sabe que não se deve nem pensar em apagar as memórias passadas, presentes e futuras do lugar que já se chamou Campos da Redenção em homenagem à precoce abolição da escravatura em Porto Alegre, em 1884, e que foi chamado Parque Farroupilha em 1935, na comemoração dos cem anos da Guerra dos Farrapos. O que é o estudo, hein? - Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/09/colunas/livros/587521-jose-gallo-o-melhor-ceo-do-brasil.html)

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