domingo, 24 de setembro de 2017



Da minha janela escuto tiros; sinto-me angustiada por não saber o que fazer

Das janelas do meu apartamento, escuto as balas sendo trocadas. Penso no que Gete (89 anos) me disse na semana passada. "Nunca tive medo de sair de casa, mas agora tenho. Tenho muito medo".

Desde que optei por morar no Rio de Janeiro (sou de Santos e morei por cinco anos na cidade de São Paulo), escuto a seguinte "brincadeira", especialmente de amigos paulistas: "Você anda com colete à prova de bala?". Não, não ando. Mas também não ando com joias (nem tenho), não carrego bolsas e meu celular é o mais barato que existe (e, mesmo assim, não saio com ele quando vou caminhar).

Muita gente que conheço está indo morar em outros países, outros pensam em ir para Portugal, Austrália, Miami...

Não tenho vontade de sair do Rio. Desde que me mudei para cá (1978) construí uma vida repleta de realizações, amigos e amores. Amo a cidade, amo a vida que construí aqui, não sinto vontade de morar em qualquer outro lugar. Sou feliz. Mas, como minha querida amiga Gete, também sinto medo de viver no Rio, de viver no Brasil.

Mais do que medo, sinto uma enorme tristeza e impotência por não enxergar saídas, por não saber o que eu também posso e devo fazer para contribuir para encontrá-las ou construí-las.

Sou monotemática: continuo na minha militância para mudar as representações sobre a velhice, para revelar a beleza dessa fase da vida. Vivo repetindo: "Velho é lindo!". Mas sei que o que eu faço apaixonadamente, em cada hora do meu dia, é pouco, muito pouco.

Sinto um pouco de felicidade quando encontro meus velhos amigos: Gete e Nalva (89 anos), Canella e Guedes (94 anos), Thais (92 anos) ou quando dou uma palestra para dezenas ou centenas de homens e mulheres que já passaram dos 70. Nesses momentos, sinto que estou sendo útil para mudar alguma coisa na vida deles e na minha.

Mas sinto-me frustrada por não fazer muito mais para melhorar a vida dos brasileiros (e a minha própria vida). Sinto-me com a obrigação, com o dever de fazer muito mais. Eu tento, sofro, trabalho muito e continuo assim...

Apesar do medo, vou continuar morando aqui no Rio de Janeiro, cidade que escolhi e que me fez ser tão feliz e tão infeliz, ao mesmo tempo. Tenho medo, mas não tenho vontade de viver em qualquer outro lugar do mundo. E vou continuar, angustiadamente, procurando contribuir para tornar melhor o mundo em que vivo.

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