sexta-feira, 11 de julho de 2025


11 de Julho de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Preferências pessoais acima das de Estado

Está claro que a decisão de Donald Trump de impor tarifas ao Brasil não se sustenta nem por razões econômicas - já que os Estados Unidos são superavitários na relação comercial -, nem por motivos geopolíticos, dado que os dois países não possuem divergências territoriais. As tarifas, portanto, parecem ter raízes menos institucionais e mais pessoais, refletindo vaidades políticas e compadrios familiares entre Trump e Jair Bolsonaro. Ambos, dentro ou fora do governo, demonstraram reiteradamente uma tendência a priorizar seus interesses privados em detrimento das relações de Estado.

Há uma intricada teia ideológica que conecta Trump e Bolsonaro, passando por figuras como Steve Bannon, o falecido Olavo de Carvalho e Eduardo Bolsonaro - com o reforço do movimento alt-right, que reúne lideranças da extrema direita em escala global.

Embora Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump, seja o nome mais conhecido, ele não atua sozinho. Há outros personagens: Matthew Tyrmand - escritor e integrante do Projeto Veritas, organização conservadora conhecida por intimidar jornalistas; Jason Miller, ex-porta-voz de Trump e fundador da rede social Gettr, usada por simpatizantes da alt-right; e Darren Beattie, ex-redator de discursos da Casa Branca no governo Trump.

Esses quatro compartilham ao menos duas características: viam a eleição brasileira como crucial para a consolidação de uma nova direita mundial e difundiam ataques ao Supremo Tribunal Federal e à legitimidade das urnas eletrônicas - sempre sem provas. Além disso, mantêm relações próximas com Eduardo Bolsonaro.

Bannon atua como uma espécie de elo central dessa engrenagem internacional e mantém encontros frequentes com Eduardo.

O amálgama ideológico

O movimento alt-right é a sigla para alternative right, ou direita alternativa. O movimento apoiou Trump desde sua primeira campanha, em 2016, e tornou-se uma força articulada internacionalmente.

Bannon chegou a nomear Eduardo Bolsonaro como representante sul-americano do "The Movement", seu movimento. O próprio já se autointitulou "embaixador informal" do Brasil junto ao trumpismo.

Olavo de Carvalho, por sua vez, é considerado o "guru ideológico" do bolsonarismo. Sua doutrina antiglobalista e pró-EUA (no sentido trumpista) sustenta uma política externa que apostava em uma suposta aliança espiritual e estratégica com os EUA de Trump, contra o "marxismo cultural" e a China.

Esse amálgama ideológico - que mescla populismo, negacionismo e culto à personalidade - de tempos em tempos transborda da retórica para a prática, gerando episódios de retaliação política travestida de medida comercial. São gestos que provocam abalos políticos, econômicos e diplomáticos e colocam em risco uma relação bilateral construída ao longo de mais de 200 anos. _

PT lança campanha "Aqui é BR, não é Disney".

Após o anúncio das tarifas dos EUA, o PT lançou a campanha "Aqui é BR, não é Disney".

O vídeo começa com uma representação do personagem Mickey Mouse, símbolo da Disney, calçando chinelos nas cores verde e amarela e vestindo uma camiseta vermelha. Em seguida, é apresentado um vídeo no qual duas pessoas discutem sobre as taxas.

- A gente raramente concorda, mas atacar a soberania do Brasil assim, do nada, não dá! - diz um rapaz de camiseta vermelha.

Um jovem de camiseta verde e amarela responde:

- Finalmente vou ter de concordar com você. Quem esse americano pensa que é, achando que é dono do mundo? Aqui é Brasil, não é Disney!

Na sequência, diversos personagens afirmam:

- O Brasil é soberano! _

Entrevista - Rubens Barbosa - Embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004)

"Não é se submeter aos EUA, é defender o interesse brasileiro"

Um dos mais experientes diplomatas brasileiros, Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004), conversou com a coluna sobre a tarifa americana sobre os produtos brasileiros.

Como negociar com um presidente que põe o lado pessoal acima de interesses de Estado?

As relações do Brasil com os Estados Unidos, ao contrário do que muita gente pensa, sempre foram tensas. No Império, o Brasil suspendeu duas vezes as relações com os EUA. Mais recentemente, o (ex-presidente Ernesto) Geisel teve o maior problema com os americanos quando eles interferiram em nossos assuntos internos ao condenar a questão dos direitos humanos. E agora, mais recentemente, com a Dilma (Rousseff), que a espionaram, ela cancelou uma visita de Estado lá. O que está acontecendo é grave, mas não inusitado. No passado, tínhamos a Doutrina Monroe, que era a interferência dos americanos na política dos países da região. É uma relação complicada, não vou negar, que teve muitos avanços, teve mais coisas positivas do que negativas, mas é uma relação tensa.

Como o senhor avalia as medidas tomadas pelo governo brasileiro até agora?

Acho que, na parte política, a reação à interferência interna aqui no Brasil e o teor da carta do Trump, são realmente questões que não podíamos deixar passar em branco. Então, a reação política do campo diplomático já foi feita. O presidente falou da aplicação da lei da reciprocidade. Se você for ler, ela não prevê nenhuma medida específica. A lei abre uma série de possibilidades. Vamos ver qual é a perspectiva, qual é a possibilidade que vai ser aplicada. Não está na lei que, se você tem 50% de tarifa nos seus produtos, seja aplicado 50% nos outros países. Nós não podemos negociar o que está acontecendo com base na legislação, nos costumes ou com o sistema de comércio exterior que existia antes de Trump. 

O mundo mudou. Trump é imprevisível, é uma pessoa que decide pessoalmente tudo lá nos EUA. Ele colocou a tarifa, não foi contra o Brasil, foi contra o mundo inteiro. Mas, conhecendo como funciona isso, acho que não vai ser mantida. Inclusive se o governo não atuar, ela não vai ser mantida, até por sugestão da própria oposição, que conseguiu essa vitória política. Mas o que eles fizeram, eles podem pedir para Trump desfazer. E quem ficaria com a vitória política? O governo ou a oposição? Esse que é o problema. O governo tem de atuar rapidamente, não entrar na parte política e se concentrar na negociação comercial.

Como embaixadores e diplomatas lidam com uma crise como essa?

Acho que não podemos deixar que a ideologia, que o partidarismo prevaleça sobre os interesses do país. O interesse nacional, hoje, é diminuir essa crise, resolvendo o problema das tarifas, antes de qualquer outra coisa. Não é questão de você se submeter aos EUA, não é isso, é você defender o interesse brasileiro. O interesse brasileiro hoje é qual? Diminuir a crise e diminuir essas tarifas, para favorecer os empresários aqui, as indústrias, o agro, que estão afetados por esses 50%.

Se as tarifas prevalecerem, pode abrir margem para outras parcerias comerciais do Brasil?

Não acho que essa tarifa de 50% vai prevalecer. Mas, se prevalecer, vai haver uma perda muito grande, sobretudo para o agro brasileiro, que exporta carne, além de outros produtos da área agrícola. O setor automotriz, com a exportação de autopeças, e a Embraer, que exporta aviões. Essa política afeta as empresas americanas, porque o aço e o alumínio que o Brasil exporta são muito utilizados lá. Então, vai ter uma confluência de interesses entre as empresas brasileiras e as americanas, que vão fazer pressão sobre o governo para a redução dessa tarifa. 

Acho que o setor privado, com o governo, poderá obter redução sensível da tarifa sobre produtos da nossa exportação. São US$ 40 bilhões que estão em jogo. Parte disso você pode reorientar para outros mercados, mas outra parte não vai poder. Acho que o esforço todo do setor privado e do governo deve ser feito nesse sentido. Esqueçam a ideologia, esqueçam o partidarismo e vamos discutir concretamente os interesses comerciais do Brasil. _

INFORME ESPECIAL

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