quarta-feira, 9 de julho de 2025


09 de Julho de 2025
OPINIÃO DA RBS

Intromissão de Trump é inócua

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se imiscuiu de forma inapropriada em uma questão interna do Brasil, em mais uma atitude que apenas confirma o seu desapreço por regras diplomáticas. Na segunda-feira, em sua rede social, o republicano afirmou que o ex-presidente Jair Bolsonaro é perseguido, deveria ser submetido apenas ao julgamento do voto e teria de ser deixado em paz. Trump referia-se à condenação que tornou o aliado ideológico inelegível e ao processo em que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.

É natural que a manifestação de Trump gere grande repercussão, atice os apoiadores do ex-capitão nas redes sociais e até crie no próprio ex-presidente e nos familiares e correligionários a expectativa de que, de alguma forma, a declaração interfira no destino do julgamento que corre no STF. Ou seja, a esperança é de que os ministros do Supremo se dobrem a uma pressão política externa.

Fez bem o STF em não responder. Morder a isca significaria alimentar o bate-boca virtual, arena preferencial do presidente norte-americano, em que já desfiou delírios que atingem de forma ainda mais aviltante outros países, como as ideias de anexar o Canadá ou de comprar a Groenlândia.

A declaração de Trump ou outras que venha a fazer, portanto, em nada vão alterar o juízo da Corte sobre o que Bolsonaro fez ou não fez ou sobre o que não foi provado que tenha feito para promover uma ruptura institucional no Brasil. Jair Bolsonaro e outros apoiadores, incluindo membros de primeiro escalão de seu governo, alguns de alta patente militar, passam por um processo transparente, inclusive com interrogatórios transmitidos ao vivo. Têm todas as suas prerrogativas de amplo direito de defesa respeitadas, como reza o Estado democrático de direito. Ao STF cabe decidir apenas de acordo com as provas.

A versão conspiratória do líder perseguido por forças poderosas, aliás, há muito se tornou um clichê de populistas enrolados com o Judiciário, à esquerda e à direita. A tese de que o único julgamento válido é o do povo também demonstra o pendor autoritário de quem se imagina acima da lei e despreza o sistema de freios e contrapesos de democracias sadias, com instituições consolidadas e independentes, embora passíveis de críticas.

No campo político, a resposta coube ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. "Somos um país soberano e não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja", disse, em nota. Tem total razão, apesar da carência de coerência moral para repreender Trump. Há menos de uma semana, em Buenos Aires, Lula se deixou fotografar segurando um cartaz com os dizeres "Cristina libre", reivindicando, portanto, reversão do quadro jurídico da ex-presidente argentina Cristina Kirchner, condenada a prisão domiciliar por corrupção e inelegível. Cristina é outra que se diz perseguida. O presidente brasileiro, portanto, também desrespeitou a soberania do país vizinho. Feriu com o mesmo ferro que foi ferido. Que fique a lição de mais cuidado ao se intrometer em assuntos internos alheios. 

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