quarta-feira, 28 de novembro de 2018


28 DE NOVEMBRO DE 2018
ARTIGO

A CASA E O PAÍS


São controversas – e o que não é? – as relações entre a política e a psicologia, mas há evidências, em que pese a subjetividade, de que os fatos de um país influenciam diretamente o que acontece dentro das casas. Se tudo começa em casa, segundo a expressão feliz de um psicanalista, nem sempre o ambiente, decisivo para a formação dos indivíduos, funciona como um para-raios das agressões exteriores.

Somos moldados por um processo que costumamos chamar de identificação. Somos sedentos dela para o nosso desenvolvimento e, sem nos darmos conta, incorporamos o que as figuras de autoridade oferecem abertamente e nas entrelinhas. Isso vale para as qualidades e, especialmente, para os defeitos. Ainda devemos explicações (devemos a maioria delas para tudo) sobre a força que o defeito exerce como motivação para nos identificarmos com ele. Pode ter a ver com uma forma de não sentirmos a tristeza de lidar com um pai violento ou uma mãe deprimida, por exemplo, mas já é possível explicar que, em matéria de educação e civilidade, as palavras valem menos do que os exemplos. Estes equivalem às imagens, que costumam valer mais do que aquelas. Que escuta podemos promover, através de palavras, junto a um adolescente que flerta com a droga ilícita, quando, em nossos exemplos, abusamos das lícitas?

Nesse sentido, não passam incólumes o reajuste de 16,38% concedido para o Supremo e o impacto de R$ 4 bilhões anuais nos cofres públicos. O acréscimo, superior à inflação, foi autorizado entre a realidade de um Estado falido e de categorias não empoderadas (como as crianças), matando cachorro a grito com os seus ganhos congelados. Em termos de exemplo, é um tiro no pé, uma amostra cristalina do quanto a nossa mentalidade ainda não está civilizada e vem sendo governada pela "lei de Gerson", desde muito antes que tal imagem viesse nos representar.

Convém sempre lembrar que, nas casas, crianças só desenvolvem a civilidade a partir de exemplos. Na falta deles, sintomas ruidosos nunca se fazem ausentes.

CELSO GUTFREIND Psicanalista e escritor celso.gut@terra.com.br

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