sábado, 17 de novembro de 2018


17 DE NOVEMBRO DE 2018
CARPINEJAR

Minha saudade é uma bergamota


Quando piso em Recife, o meu primeiro ato é comer aquele abacaxi suntuoso. Não existe abacaxi igual. Ele tem mais fome de mim do que eu mesmo. O abacaxi saliva no prato.

Quando ponho os pés em Belo Horizonte, procuro o exotismo da jabuticaba. É um minério de néctar: feito do sabor das alturas, acúmulo de ventos de todas as montanhas.

Quando me encontro em Fortaleza, não abro mão da água de coco. É um verdadeiro litrão dentro da casca, diferente do raso conteúdo de outras praias. O canudo não é uma seringa, chego a me engasgar com o seu jorro.

Cada região traz a peculiaridade de uma fruta. Minha saudade pode ser medida pelo suco de cada uma delas.

Depois de longas viagens, só me sinto mesmo no pampa ao descascar uma bergamota. Não há tangerina semelhante em qualquer parte do mundo, doce como um mousse. Já entra na categoria de sobremesa.

É uma fruta possessiva, ciumenta, o cheiro da casca fica nas mãos e não sai com a água. Externa o nosso temperamento apegado e bairrista.

A tranquilidade que tenho ao repartir os gomos é incomparável. Relaxo ao extremo, transportado espiritualmente para uma estância quieta de estrelas. Nem tiro a pele, apetece-me o seu gosto rude e selvagem. Vou mastigando devagar com a língua, pressionando as pequenas bolhas até o seu estouro na garganta.

O mel esguichado na boca mata a nostalgia do meu torrão, da minha infância, dos roubos no alto dos galhos da bergamoteira no quintal dos meus avós. A memória volta com facilidade, nem preciso me esforçar para lembrar de nada.

Armo um ritual para amar o momento por inteiro: sento na varanda, de frente à rua, solitário e silencioso, e passo a cuspir as sementes ao longe, em direção à terra - imaginando que alguma delas acabará germinando, por generoso acidente, para a sorte de meus netos.

As sementes arremessadas são como pedras ricocheteando a superfície das águas. Em vez do espelho do rio, dou-me o direito de brincar em acertar as hastes das flores no jardim.

Não é uma cena educada, porém revela uma imensa e prazerosa liberdade, dotada da espontaneidade infantil de usar os lábios em estilingue. Novamente me enxergo menino desafiando os bons modos e a contenção dos gestos.

Eu sou tão eu comendo bergamota. Sou tão inteiro e sincero. Sou tão gaúcho. Talvez desfrute da minha melhor versão. Talvez o meu coração seja uma pequena e alaranjada bergamota.

CARPINEJAR

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