sexta-feira, 6 de novembro de 2015


06 de novembro de 2015 | N° 18347 
MARCOS PIANGERS

Lampejo feminista


Esta coluna faz parte da campanha “Agora é que são elas”, em que mulheres ocupam o espaço de escritores e jornalistas homens em grandes veículos de mídia. É um prazer e uma honra participar da iniciativa. Mais voz para nossas meninas. Com vocês, Ana Emília Cardoso.

“Machismo não existe. Você é branca, de classe média, vive numa bolha confortável. Você não vê nada errado na sociedade. Quando nota que tem menos liberdade que um menino, ainda assim se sente protegida pelo machismo. É para o seu bem e está bom como está. A misoginia não te incomoda porque diminui ou sexualiza a outra, a errada. Não você, a certinha.

Tem a menina que não dirige porque acha que mulher é barbeira. Tem a que não bebe, porque acha vulgar mulher bêbada. A que acha um absurdo quem amamenta em público. Por aí vai. Tem até quem acuse outra mulher de estar fora de si porque está na TPM.

Tenho discussões eternas com mulheres que julgam mulheres e ainda não se deram conta de que quando apontam o dedo pra outra reproduzem e perpetuam o que a sociedade faz com nosso gênero desde sempre. Socialmente, é certo ficarmos nos autodepreciando. Errado é ser segura.

Até que, um dia, o lampejo vem. Ele chega para todas, mais cedo ou mais tarde. Por que um dia, mulher, é você que vai engravidar e é você que talvez não queira ter o filho. Se tiver o filho e o pai da criança não quiser assumir, é você que vai ser humilhada para requerer essa paternidade. Um dia você vai ser demitida porque é mulher. Ou vai engolir a seco uma piada grosseira, uma cantada agressiva ou até mesmo uma agressão física. E quanto mais você vai observando, mas irá se indignar.

Meu primeiro lampejo aconteceu aos 24 anos. Eu fazia mestrado e estava num assentamento do MST pesquisando as formas de produção emancipatórias. Nunca nunquinha mesmo vou esquecer a forma como os líderes tratavam suas esposas. Elas eram todas bem mais jovens e mal abriam a boca. Pareciam bichinhos acuados. Meu lampejo, curiosamente, se deu com a dor da outra, daquela mulher jovem e servil sem poder de se expressar.

Foi um lampejo. Passei a enxergar machismo por todo lado. Passei a não me calar. O lampejo é o para-brisa do carro num dia chuvoso. Ele modifica por completo a forma como vemos o mundo.”

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