08 de novembro de 2015 | N° 18349
SAÚDE
AS CIDADES ONDE NÃO NASCE NINGUÉM
MAIS DA METADE dos municípios do Estado não registra partos, situação que angustia gestantes e evidencia fechamento de hospitais no Interior
O fechamento de hospitais e maternidades, a falta de estrutura para atender complicações no parto e a dificuldade que as pequenas cidades têm para atrair médicos forçam um número cada vez maior de gestantes a serem obrigadas a dar à luz longe de onde vivem. Na maioria dos municípios gaúchos, não nasce mais ninguém. Para muitas mulheres, ter um filho virou um angustiante desafio logístico. Quando chega a hora, vem o temor de não chegar a tempo e parir no caminho. Para as pacientes do SUS, há ainda o desconforto de não ter o parto com o mesmo profissional que fez o pré-natal.
As estatísticas do Datasus, departamento de informática ligado ao Ministério da Saúde responsável por coletar e processar dados sobre a área no país, flagram a situação. Em 1997, primeiro ano completo em que o Rio Grande do Sul passou a ter a configuração atual de 497 cidades, nasceram crianças em 75,6% dos municípios gaúchos. Em 2013, último período com informações disponíveis, os registros oficiais indicam que gestantes trouxeram seus filhos ao mundo em apenas 238 municípios, 47,8% do total. O percentual gaúcho é o menor no Sul e no Sudeste.
Se as dificuldades de deslocamento são menores nas regiões do Rio Grande do Sul com maior densidade demográfica, nos pontos mais ermos o problema é real. Um exemplo é Tavares, município de 5,5 mil habitantes espremido entre o Atlântico e a Lagoa dos Patos. Para dar à luz, as gestantes têm de enfrentar 200 quilômetros e mais de duas horas de viagem em uma estrada esburacada até Osório, no Litoral Norte.
– Já houve casos de gestantes que ganharam no caminho – relata a secretária municipal de Saúde, Armi Regina Riquinho Paiva.
CONCENTRAÇÃO É POLÍTICA DO ESTADO
O número de 238 municípios gaúchos com registro de nascimento é ainda inflado por casos que ocorreram de forma ocasional em casa, estabelecimentos de saúde que não um hospital e outras situações não especificadas, como ambulâncias, longe das condições ideais. O recorte de partos realizados apenas em hospitais mostra um panorama ainda mais concentrador. Em 2013, o Datasus aponta que somente 218 cidades gaúchas tiveram nascimentos em hospitais – 84 a menos do que em 1997.
Para a Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), o quadro é reflexo da queda dos repasses do governo gaúcho ao longo dos anos principalmente aos chamados hospitais de pequeno porte (HPPs), com até 50 leitos, enquanto as prefeituras, que reclamam da centralização dos recursos no país, alegam não ter mais condições de custeá-los. Segundo a entidade, apenas neste ano, 15 HPPs fecharam as portas, alimentando a busca por atendimento em centros maiores, a ambulancioterapia.
– Muitos outros estão com sérias dificuldades e ameaçados de fechamento. São a porta de entrada do SUS nos pequenos municípios, com capacidade para partos e procedimentos cirúrgicos simples – diz Paulo Azeredo, assessor técnico da área de saúde da Famurs.
Mas o que parece um fenômeno na verdade é fruto de uma política deliberada, que começou a ser implantada em 2013, de concentrar partos em cidades maiores, diz a pediatra Eleonora Walcher, coordenadora da seção de saúde da criança e do adolescente da Secretaria Estadual de Saúde. A lógica, sustenta, é diminuir a mortalidade neonatal e materna e também racionalizar gastos. A concentração, adianta Eleonora, será ainda maior.Para a Famurs, a situação colide com a diretriz de descentralização do atendimento do SUS.
Em municípios como Fontoura Xavier e Barros Cassal, vizinhos na região do Alto da Serra do Botucaraí, fontourenses e barros-casselenses, só de coração – a não ser que não dê tempo de chegar em Soledade. De nascimento, a maioria agora é soledadense.
caio.cigana@zerohora.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário