05 de novembro de 2015 | N° 18346
DAVID COIMBRA
O sucesso ao alcance de todos
Temos de observar os sinais dos tempos a fim de aproveitar oportunidades. Os economistas dizem isso, e eu acredito nos economistas. Sendo assim, nesta nossa época de opiniões despudoradamente expostas, estou preparando um curso que me tapará de verdes dólares. O nome será mais ou menos este: “Como fazer sucesso intelectual sem fazer força”.
Aos candidatos em potencial, dou as primeiras dicas. Para começar, seria importante encontrar um preconceito para combater. Lutar contra um preconceito é muito simpático, dá a você um ar contestador, rebelde, até feroz, de quem é contra o status quo. É bacana ser contra o status quo. Melhora o seu status. Além do mais, uma causa justifica o homem e atenua seus erros. Veja o caso do governo. O governo faz tudo o que faz, e alega que é pelos pobres. Fica até bonito ser incompetente, se é pelos pobres.
Mas, infelizmente, quase todos os preconceitos estão loteados. O Facebook pulsa e freme de textos indignados, depoimentos chocantes e desabafos comoventes de combatentes de preconceitos. Eles gritam sua revolta, ganham centenas de curtidas, e é lindo.
O jeito é apelar para uma reunião de velhos preconceitos, que, combinados, também geram resultado. Então, seja incisivo, ainda que inócuo. Use frases como “O racismo no Brasil é muito pior, porque é dissimulado”. Ou: “Isso é um produto da nossa cultura machista”.
Quando acontecer alguma coisa ruim com um rico ou um famoso, e as outras pessoas lamentarem, critique-as com acidez e sarcasmo, dizendo que coisas ruins aconteceram com pobres e desconhecidos, e essas mesmas pessoas não se importaram. A folhas tantas, ressalte que temos “uma dívida histórica a pagar”. Finalize com uma boa: “É a hipocrisia da nossa elite”.
Lembre-se de atacar a imprensa. “Quarto poder” está meio batido. Empregue a palavra “mídia”, que tem uma deliciosa conotação de conspiração maligna. Diga coisas como “Isso não sai na mídia”. Se você for jornalista, melhor. Perfeito, eu diria. Porque, ainda que você ganhe dinheiro com a mídia, você posará de insubmisso e parecerá que sabe de solércias e segredos que ninguém mais sabe. Afinal, você está “no ventre da besta”, trabalhando contra ela, solitário, heroico, abnegado soldado da verdade. As pessoas vão ficar imaginando como você briga com os patrões malvados e vão suspirar de encantamento.
Se você quiser ser mais específico, cite “os jornalões”. Associe-os à ditadura e à burguesia, e comente como a nossa imprensa decaiu.
Ah: a burguesia. Abuse dessa palavra. Ninguém gosta da burguesia, principalmente os burgueses. É claro que você é burguês, ou não teria essas pretensões. Mas isso realmente não importa. Lembre-se do Cazuza, que cantava que “a burguesia fede” e em seguida, para insinuar que era cheirosinho, eximia-se: “Eu sou burguês, mas eu sou poeta”. Essa é a lógica. Você é burguês, mas combate os preconceitos. O famoso “bom burguês”.
Finalmente, se você tiver paciência, tempo e vontade, pode escrever um livro de ataque ao capitalismo. Mas não diga que você é comunista, que aí já fica ridículo. Diga que você acredita num mundo novo, em que o consumo não paute a vida das pessoas.
É barbada escrever um livro que pareça científico. Basta tomar quaisquer números, comparar com outros números, demonstrar alguma desigualdade e concluir afirmando que o modelo capitalista é injusto, perverso e que está falido.
Aí está! Corra para receber os cumprimentos, a admiração do próximo e, talvez, até algum dinheirinho. Que tal? Está pronto para ser um su-ces-so? Inscreva-se agora no meu curso!
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