sábado, 7 de novembro de 2015



08 de novembro de 2015 | N° 18349
ARTIGOS - DIANA CORSO*

A MENARCA ASSASSINA


Em 1974, Stephen King teve uma ideia que abandonou porque algo naquela trama lhe dava muito medo. Foi somente por insistência da esposa que a retomou. Detalhe, estamos falando de King, o mais popular escritor de novelas de terror.

Era a história de Carrie, uma adolescente desengonçada que vivia só com a mãe, uma beata delirante. Sua inadequação já fazia dela motivo de bullying (ainda não se usava esse termo) quando aconteceu-lhe de menstruar pela primeira vez no vestiário da escola. Sem saber o que lhe estava acontecendo, entrou em pânico ao ver o sangue espalhar-se pelo chão do chuveiro. As colegas reagiram aos gritos, fazendo troça e afogando-a numa chuva de absorventes. As reviravoltas da história culminam com a jovem sendo eleita rainha do baile de formatura e recebendo, junto com a coroa, um balde de sangue de porco na cabeça.

Depois de sofrer essa agressão, a jovem, que já revelava seus poderes de movimentar objetos com o pensamento, reage com fúria e desencadeia a completa destruição do baile e da cidade. Carrie provocou incêndios e esvaziou os hidrantes, produziu curto- circuitos e caos. Quem não foi queimado foi eletrocutado, e sobraram poucos, principalmente entre seus colegas, para contar a história. Tudo isso só por causa de uma menstruação? Para uma história escrita na segunda metade do século 20, o que há de tão ameaçador no corpo de uma garota?

Mamilos femininos numa praia são uma afronta, até amamentando não são bem vistos. Já os masculinos, mesmo que proeminentes e marombados, são exibidos com liberdade e orgulho. A visão do sangue menstrual é proibida nas redes sociais, mas se a imagem mostrar uma virgem vertendo lágrimas de sangue tudo bem. A mulher é potencialmente suja, perigosa, diz-se que

sua imagem provoca impulsos sexuais e agressivos incontroláveis nos homens.

Por isso seria a culpada pelos abusos que sofre. Ela deve se encobrir. Se ficar grávida, mesmo que seja fruto de um estupro, deve gestar e parir o filho de um monstro. Acaba de ser aprovado um projeto de lei que lhe impede o acesso ao remédio que a livraria disso. O corpo da mulher não lhe pertence. O que há de tão ameaçador no corpo de uma mulher? Em pleno século 21?

A história de Carrie continuou sendo refilmada, a última versão é de 2013. Isso prova que a fantasia da feminilidade poderosa e demoníaca segue viva no inconsciente do nosso tempo. Triste persistência, num tempo em que a vida das mulheres começaria, em tese, a respirar ares de liberdade: estamos nos tornando uma legião de médicas, advogadas, pedreiras, pensadoras, líderes, soldadas e o que mais quisermos ser. Pelo jeito, ameaçamos levar nossos perigosos fluidos menstruais para contaminar a sociedade e destruir tudo. Que dizer dos nossos seios, dos nossos ventres nada livres? Em pleno século 21.

*dianamcorso@gmail.com Psicanalista

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