sábado, 21 de novembro de 2015



21 de novembro de 2015 | N° 18362 
DAVID COIMBRA

Como é o Brasil


Tocou Wave, de Tom, no rádio do café, e a americana me olhou e sorriu e disse:

– Brãzill...

A Bossa Nova é a única música brasileira que se ouve aqui, nessa esquina tão americana de Massachusetts, e Wave é a mais carioca, mais praiana, mais ondulante, mais suave, mais preguiçosamente deliciosa música da Bossa Nova de todo o mundo em todos os tempos.

“Vou te contar... Os olhos já não podem ver...Coisas que só o coração pode entender...”

Uma música que se canta aos suspiros, olhando para as ondas do mar que rumorejam enquanto se põe o sol.

– O Brasil é assim – disse para ela, e ela sorriu ainda mais de contentamento, imaginando o mar, o sol e o céu azul dos trópicos hospitaleiros.

Traduzi uma parte da letra para ela. Pedi que reparasse na poesia profunda, que diz:

“Agora eu já sei... Da onda que se ergueu no mar”.

São músicas feitas em mesa de bar, contei. Os amigos reunidos, sorrindo, bebendo um chopinho gelado e falando de coisas boas. Um troça com o outro, tudo é leve, e eles sentem nos ombros o calor da tarde e a brisa fresca que vem da praia. De repente, passa aquela linda mulher que veste um biquíni pequeno e um grande chapéu. Poderia ser você, só que você estaria um pouco mais dourada.

Sim, seria uma mulher dourada que passaria pelos amigos, e ela saberia estar sendo observada, e seu passo teria mais jogo e mais malícia e causaria mais daquela angústia doce de quem queria ter, mas fica feliz só de ver.

Quando ela passa, uma rainha indiferente, de pernas longas e queixo erguido, quando ela passa espalhando seu cheiro macio de mil cremes rejuvenescedores dos quais ela não precisa, quando ela passa, a mesa silencia. Eles observam o desfile, reverentes. Depois se entreolham, sorriem uns para os outros e é dali que sai outra música.

“O amor se deixa surpreender. Enquanto a noite vem nos envolver”.

Se não sair uma música, sai uma crônica de jornal. Se não sair crônica de jornal, sai um poema, ou uma piada, ou um sonho, ou só um suspiro, que já é o bastante. O que importa é que os amigos estão ali, ouvindo um ao outro, vendo a vida passar, partilhando chopes e alegrias, e talvez até algumas tristezas, mas juntos, fazendo daquele dia um dia bom.

É assim que o Brasil é, disse para ela, e vi que ela ficou ainda mais feliz. Também fiquei feliz, porque, bem, posso ter mentido um pouco, mas, um pouco, disse a verdade.

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