sábado, 7 de novembro de 2015



08 de novembro de 2015 | N° 18349 
ANTONIO PRATA

Meter a colher


Hoje, dentro da campanha #agoraÉqueSãoElas, em que colunistas homens cedem seus espaços para mulheres, quem escreve é a poeta gaúcha Angélica Freitas:

Sempre me causou curiosidade a expressão “Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Por que alguém haveria de introduzir uma colher para acabar com uma briga, logo uma colher, quando tem à disposição todos os itens do faqueiro? Facas têm fio, ameaçam, servem para apartar. Garfos têm quatro pontas, fincam, furam. A função da colher é mexer a comida, levá-la ao prato e à boca. Única imagem possível: alguém tentando prestar socorro a uma mulher com uma enorme colher de pau. Que inadequado. Perguntei a uma amiga o que ela achava dessa expressão.

 “Eu imagino uma colher gigante voadora chegando do céu”, falou a Alice. Essa enorme colher se aproximava, ia entrar entre o marido e a mulher, mas no último segundo era covardemente impedida. (Por minha vez, consegui enxergar um senhor engravatado gritando: “A colher não será introduzida na família brasileira!”). “O que tem a ver meter a colher?”, perguntou a Alice. “Briga de casal é algum doce delicioso, tipo um pudim?” E pensamos numa colher tipo espada de kendô. Mas, claro, vocês dirão, nunca se tratou de ajudar as mulheres, essa história.

Essa expressão e a nossa inércia são deprimentes. Entre 2009 e 2011, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada 90 minutos. Isso dá mais de 15 mulheres por dia, 472 por mês, 5.664 por ano. Os dados vêm de uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulada “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, publicada em 2013. Dessas mortes violentas, 29% aconteceram dentro de casa. Segundo a pesquisa, do total de feminicídios no mundo, 40% são cometidos pelos parceiros. Em comparação, 6% dos assassinatos de homens são de autoria das parceiras. Não há dados disponíveis sobre o Brasil. Me pergunto por que será.

Uma história inquieta minha cidade, Pelotas (RS). No dia 9 de abril, a professora Cláudia Hartleben, de 48 anos, desapareceu. Sumiu sem avisar ninguém. Estranho, porque falava todos os dias com a mãe, dona Zilá, de 80 anos. O carro ficou na garagem de casa. Cláudia era uma pessoa muito querida na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde coordenava o curso de Biotecnologia. Amigos dizem que ela estava numa fase ótima, na vida pessoal e na carreira. Nem sempre foi assim. Em 2013, foi agredida pelo ex-marido no restaurante da universidade. Registrou um boletim de ocorrência. 

Quase três anos depois, a agressão continua impune. Numa entrevista coletiva realizada no dia 30 de setembro, um promotor responsável pelo caso de desaparecimento afirmou que Cláudia havia sofrido ameaças. Não forneceu detalhes sobre a autoria, mas deu a entender que essa pessoa tinha certeza da impunidade.Não se pode acusar o ex-marido sem provas. Mas pode-se especular que se ele houvesse sido punido exemplarmente pela agressão pública à professora, o autor das ameaças, seja ele quem for, não teria tanta certeza da própria impunidade. Talvez Cláudia ainda estivesse entre nós. Colegas, alunos e família já organizaram duas passeatas para pedir um esclarecimento. Já se passaram sete meses. É muito tempo.

A justiça tarda, mas nós não vamos esquecer a Cláudia.

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