segunda-feira, 4 de março de 2024


04 DE MARÇO DE 2024
INFORME ESPECIAL

O avesso do avesso

Deveríamos estar preocupados em formar leitores com pensamento crítico, não em tirar de circulação livros que causam "incômodo". O escritor Jeferson Tenório, ex-patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, está certo quando diz que O Avesso da Pele, obra premiada e vendida para mais de 10 países, merece respeito.

O texto aborda um tema que deve, sim, ser tratado em aula: o racismo estrutural, aquele que vive em nós, mesmo que a gente não se dê conta.

Escrevo isso, provocada por uma história que alçou minha terra natal, Santa Cruz do Sul, às manchetes do país.

A diretora de uma das principais escolas estaduais da cidade ficou revoltada ao encontrar no livro de Tenório - que integra o Programa Nacional do Livro e do Material Didático desde 2021 - trechos sobre sexo e palavras chulas. A professora gravou um vídeo expondo a indignação, e as 200 edições da obra (que ela própria havia mandado comprar) acabaram sendo retiradas de circulação por alguns dias - a decisão foi revertida pela Secretaria Estadual de Educação, em um ato de lucidez. Você pode dar o nome que quiser a isso e até concordar com a opinião da diretora. É seu direito.

Eu chamo de censura.

O livro faz parte da lista de obras que podem ser trabalhadas por professores com alunos do Ensino Médio. Não se trata de um texto sobre sexualidade, mas, ainda que fosse, em que ambiente você gostaria que seu filho adolescente conversasse sobre o assunto? Na rua? Ou na escola, sob o olhar cuidadoso do mestre?

Querer proteger os jovens de conteúdos considerados "inadequados" a partir de opiniões pessoais é um equívoco. A diretora argumenta, com razão, que pais poderiam reclamar. Não duvido. O tema não é fácil de ser digerido. Ainda assim, ler O Avesso da Pele é uma oportunidade para discutir racismo e violência. Termos "de baixo calão" não estão na história de forma gratuita. Eles são parte de uma realidade sobre a qual não devemos nos "escandalizar", mas tentar compreender para mudar.

JULIANA BUBLITZ

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