04 DE SETEMBRO DE 2019
DAVID COIMBRA
Um Gre-Nal do tamanho do Brasil
No piso de pedra do Lincoln Memorial, em Washington, está gravada uma frase que mobilizou o meu filho quando visitamos o monumento, meses atrás. Ele fez questão de se posicionar ao lado da inscrição e tirar uma foto com ela. Trata-se do trecho mais famoso do mais famoso dos discursos de Martin Luther King: "I have a dream". Essa sentença, pronunciada em 1963 exatamente naquele local, é um símbolo da vitoriosa luta pelos direitos civis dos negros americanos. É um marco da igualdade entre os seres humanos em todo o planeta.
"I have a dream." Eu tenho um sonho. Pois eu também tenho cá um pequeno sonho, e é pequeno mesmo, se comparado aos anseios universais do Doctor King, como o chamam nos Estados Unidos. Meu sonho parecerá a você arrabaldino, mas, não; isso não é. É um sonho pequeno, não provinciano.
Vou explicar.
Sonho em ver de novo o estádio onde se joga um Gre-Nal dividido ao meio: metade azul, metade vermelho. Era assim até os anos 1980, e era lindo. Você dirá que estou me restringindo ao minúsculo âmbito do futebol e, para diminuir ainda mais o meu sonho, completará: do futebol gaúcho.
Não é bem assim. Em primeiro lugar, porque hoje deve se confirmar que assistiremos a dois Gre-Nais do tamanho do Brasil. O país inteiro olhará para o Rio Grande. Trata-se de uma façanha esportiva, mas ela pode se tornar ainda maior: pode se tornar uma façanha que sirva de modelo a toda terra. Essa é uma chance rara de fazermos algo diferente de tudo o que esperam de nós. De surpreendermos o mundo positivamente.
Sigo explicando.
Não faz muito, houve dois clássicos Boca versus River que não foram do tamanho do Brasil, foram do tamanho da América. Era muita responsabilidade. E Boca e River falharam. Foram tão selvagens, na pior acepção do termo, que a partida final teve de ser transferida para além-mar, e uma competição que celebra os "Libertadores da América" do jugo espanhol foi ser decidida, ironicamente, na Espanha.
Aquela triste decisão entre Boca e River consagrou a nossa barbárie sul-americana. Os europeus assistiram à partida com o interesse dos antigos romanos quando viam gladiadores se matando na arena do Coliseu. Eram os colonizadores se divertindo com os selvagens lutando até a morte.
Agora, Grêmio e Inter talvez tenham a oportunidade de mostrar ao Brasil, à América e ao mundo que pode haver urbanidade e respeito em um clássico com rivalidade acerba. Como fazer isso? Caminhando no sentido oposto às trevas, em direção à luz. Sem medo do torcedor, confiando nele, permitindo que os estádios sejam partilhados igualmente, 50% para cada torcida.
Acredito que isso possa ser feito e que possa ser bom. Claro, depende de Grêmio e Inter. Primeiro, eles têm de ser competentes e se classificar hoje; depois, têm de ser civilizados e compreender que um jogo, mesmo que seja do tamanho do Brasil, continua sendo apenas um jogo. Pode acontecer. Posso realizar o meu sonho.
DAVID COIMBRA
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