07 DE JUNHO DE 2019
DAVID COIMBRA
O sagu perfeito
Meu amigo Ilgo Wink, grande repórter, histórico repórter, é um obcecado. Ele venera o sagu. Ele passa os dias em busca do sagu perfeito.
Considero essa preferência como mais uma das tantas boas qualidades que possui o Ilgo. Porque o gosto pelo sagu diz muito acerca do caráter de uma pessoa. Entenda: é fácil dizer que você "a-do-ra" petit gateau. É até bonito, você pode treinar o seu francês. Agora, o sagu é uma sobremesa raiz, uma sobremesa de avó. A minha, inclusive, fazia sagu com suas próprias mãos.
Então, o homem que, como o Ilgo, alardeia de público o seu amor pelo sagu é um homem que preza a simplicidade da vida, e a vida será tanto melhor quanto mais simples for.
Conto tudo isso porque, há anos, circula pelos corredores da internet um texto que o Ilgo escreveu a respeito da sua procura pelo sagu inefável. Ontem, esbarrei nesse texto. Me comovi. Manifestações de paixão em geral me comovem.
O Ilgo diz que escolhe o restaurante pelo sagu. Se o sagu é bom, o restaurante também é. "E o sagu bom tem cor escura, cor de vinho tinto, forte, aquele de garrafão", ensina o Ilgo, acrescentando, com horror: "Já vi até sagu de refresco de uva. Um acinte, uma agressão".
Passada a fúria, ele prossegue: "Depois de avaliar a cor, analiso a consistência. A parte líquida deve ser cremosa e as bolinhas firmes, mas macias, e não muito grandes. O sagu deve, obrigatoriamente, exalar um aroma de vinho tinto, com notas sutis de canela e cravo. Caso contrário, me afasto".
Até aí fui. Com tudo isso concordei. Mas, na sequência, o Ilgo faz uma observação que me causou espécie. Ele prega o seguinte:
"É imperdoável misturar o sagu com o creme. Mergulhe a colher no sagu e depois no creme, nesta ordem. O creme, valoroso coadjuvante, não pode ocupar mais do que 30% da colher. Eu costumo ficar nos 20, 25 por cento".
Não, Ilgo! Não, não, não e, digo mais: NÃO! O creme é imprescindível! O creme é tão importante quanto o sagu. O creme é como o molho, e sou um admirador de molhos. Às vezes, troco a carne pelo molho que dela foi feito. O creme pode não ser o gol, mas é o drible. O creme é o piano no fundo de Imagine, de John Lennon. É o véu da Virgem Velada, de Giovanni Strazza. O creme são as amenidades da vida.
É a arte.
Sim, Ilgo, o creme é a arte. A arte, tão menoscabada pela nova política. Tão desprezada. Tão aviltada. Tão mal compreendida, porque parece supérflua, quando é essencial porque, sem ela, a vida seria insuportável.
DAVID COIMBRA
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