sábado, 15 de junho de 2019



15 DE JUNHO DE 2019
COMPORTAMENTO

SOLIDARIEDADE NA DOR DA DESPEDIDA

CORRENTE DE COLABORAÇÃO se formou entre amigos, familiares e colegas de trabalho para enviar de volta ao Senegal corpo de motorista de aplicativo morto em assalto na Capital. Eles contam o que trouxe Babacar Niang, 38 anos, ao Brasil e falam sobre o seu desejo de retornar à terra natal
Em silêncio, Vinícius Butzen da Silva, quatro anos, aproxima o ouvido esquerdo do peito do boneco Buzz Lightyear, o astronauta da animação Toy Story, para escutar repetidamente as frases em inglês do personagem. 

O gesto era o mesmo feito pelo amigo do menino, o motorista senegalês Babacar Niang, 38 anos. Nas visitas à família Silva no bairro Santa Rosa de Lima, na zona norte de Porto Alegre, Babacar esparramava pela sala a caixa de brinquedos do garoto. Lightyear era o seu favorito.

Como não entendia inglês, ele tentava repetir as mensagens do boneco de plástico enquanto era observado pela criança. Desde 3 de junho, quando soube pelos pais que Babacar havia morrido no dia anterior, Vinícius guarda no brinquedo a lembrança de Baba, como carinhosamente chamava o parceiro de brincadeiras.

Por volta das 14h40min de 2 de junho, Babacar foi morto com um tiro na nuca e teve o corpo abandonado sobre a calçada de uma área residencial da Estrada Antônio Borges, no bairro Belém Velho, na zona sul da Capital. O carro alugado por ele e usado para corridas por aplicativo foi localizado na mesma via, a menos de um quilômetro, no bairro Cascata, onde os ladrões teriam roubado outro veículo para dar continuidade à fuga. Inicialmente apurado pelo Departamento de Homicídios, o caso passou a ser investigado como latrocínio (roubo seguido de morte) pela 19ª Delegacia de Polícia. Na sexta-feira, foram presos dois suspeitos do crime (leia mais na página 32).

Recolhido ao Departamento Médico-Legal (DML), o corpo de Babacar só foi localizado pelo irmão, o pizzaiolo Ibra Niang, 30 anos, no dia seguinte. Graças à união dos integrantes da Associação dos Senegaleses de Porto Alegre e de amigos de Babacar, foi arrecadada em 48 horas a quantia necessária - e não revelada - para o sepultamento do motorista no país de origem. A entidade, presidida por Mor Ndiaye, preferiu não pedir auxílio do governo local para organizar a viagem.

Babacar e o irmão Ibra dividiam um apartamento na Avenida Farrapos, no bairro Floresta. Às 6h do dia 2, Babacar saiu para trabalhar e não voltou no horário do almoço, como costumava fazer nos domingos de folga do irmão.

- Mandei mensagem e não tive retorno. Tentei ligar, mas estava desligado. Comecei a ficar triste. Sempre que ele vai mais longe, me avisa - recorda o pizzaiolo.

Um mês antes de ser vítima de latrocínio, Babacar havia sido assaltado em Alvorada e teve o carro roubado durante uma corrida por aplicativo, na madrugada. A partir deste episódio, passou a trabalhar somente durante o dia.

Naquele 2 de junho, preocupado com o sumiço do irmão, Ibra começou a ligar para os hospitais da região e para a lista de amigos conquistados pelo senegalês nos últimos cinco anos, desde a chegada ao Brasil. Mas percebeu o pior quando não teve nenhum retorno.

CARINHO E RECONHECIMENTO DE QUEM CONVIVEU COM ELE

Pelas redes sociais, a notícia da morte de Babacar chegou a Caxias do Sul, Nova Araçá, Nova Bassano e Capivari do Sul, cidades gaúchas onde ele viveu e trabalhou antes de se instalar em Porto Alegre, em outubro de 2018. As mensagens deixadas no Facebook, até de passageiros que utilizaram os serviços dele nas últimas semanas, comprovam que o senegalês costurou uma colcha de amizades. "Babacar Niang... Um nome difícil de esquecer... Conversamos sobre o Senegal, sobre o passado e sobre seu trabalho atual (...). Educado, muito calmo, de extrema delicadeza e trabalhador (...). Descanse em paz, Babacar", escreveu o músico Jonas Lewis, que conheceu o senegalês em uma corrida pelo aplicativo, dois dias antes da morte.

- Não tem o que falar de ruim dele. Era uma pessoa sociável, que gostava de conversar e de fazer amigos - reforça Ibra.

ALINE CUSTÓDIO

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