25 DE JUNHO DE 2019
CARPINEJAR
Loja de colchões
Meus pais me levaram para comprar um colchão. O meu do beliche já estava fino, gasto e ondulado. Inventaram que me dariam um presente adiantado. Eu entendi como um péssimo negócio, quase como uma ofensa. Para uma criança, camisas e colchão não são presentes, presente é brinquedo.
Só fui entender o preço de uma boa superfície para dormir quando montei o meu primeiro apartamento, dez anos depois. Naquela época, eu jurava que custava barato.
Eu não esqueço o susto que engoli ao pisar na loja. Só tinha mesmo colchões. Nem um enfeite sequer. Nem uma cama montada. Nem um lençol cheiroso e travesseiros fofos. Era colchão e colchão, um do lado do outro, perfilados, um exército nu, esvaziado de suas vestes noturnas. Havia no cenário uma pobreza estranha. Uma falta de propaganda.
O primeiro raciocínio que me veio foi: será que várias crianças fizeram xixi para não ter roupa de cama? As peças estariam secando? Iríamos adquirir colchão mijado?
Claro, os colchões apenas ficavam desarrumados em casa quando um dos filhos pequenos não controlava a bexiga de madrugada. Não partilhei as minhas rápidas impressões com os pais, estavam ocupados demais sentando, deitando, espreguiçando-se e conferindo valores nas etiquetas.
Até que apareceu um atendente. Quando ele chegou, eu me prostrei atrás das pernas da mãe de medo. Ele usava jaleco. Guarda-pó. Como se fosse um médico. Veio de branco para oferecer promoções. Por que um vendedor surgiria de avental? Não tinha consciência do hábito daquele comércio, para transmitir asseio e limpeza.
Estranhei. Passei a duvidar da versão de que compraríamos um colchão, devia ser um hospital para me internar. Eu me senti enganado: nunca iria comparecer a um doutor por livre e espontânea vontade, a família criou uma mentira para me atrair para dentro da cilada.
Mergulhei numa crise de choro sem precedentes, procurando antever o que algum irmão teria dito de mim antes do fingido passeio. Aquilo seria um castigo? Ou me encontrava doente sem saber?
As lágrimas são pensamentos desordenados, confusão líquida dos olhos. Arrastei os meus pais para longe da loja. Os soluços pararam apenas quando entrei no carro. Não sei o que eles deduziram da minha crise. Daí vem a minha fama de ser muito sensível.
- Cuidado com o que você diz, ele é sensível - foi o que escutei durante toda a infância. Corri para o quarto e abracei o meu colchão magrinho, como se fôssemos amigos imaginários inseparáveis.
CARPINEJAR
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