sexta-feira, 7 de junho de 2019


07 DE JUNHO DE 2019
EDITORIAL

RELAÇÃO UMBILICAL



Brasil e Argentina têm desafios semelhantes, embora ao menos tenhamos deixado para trás o período de inflação descontrolada e reunido sólidas reservas cambiais que amortecem choques externos
Nenhuma relação externa brasileira é mais umbilical do que a mantida com a Argentina. Os dois países atravessaram períodos de rivalidade ao longo da História, mas nas últimas décadas se consolidou a visão de que as duas principais economias da América do Sul, mesmo que ainda não tenham se livrado de suas prolongadas crises internas, têm um destino a ser compartilhado. Estreitar laços é estratégico para ambas, não importa quem sejam os ocupantes de ocasião do Palácio do Planalto e da Casa Rosada.

A visita do presidente Jair Bolsonaro ao seu par argentino, Mauricio Macri, é uma oportunidade de os chefes de Estado reafirmarem o reconhecimento mútuo. A despeito de o Mercosul ter se mostrado até agora uma frustração, a sintonia entre Brasil e Argentina é essencial para fortalecer o bloco nas negociações do tratado de livre-comércio com a União Europeia, que se arrasta desde 1999 e pode finalmente ter desfecho nas próximas semanas.

As duas nações têm desafios semelhantes, embora ao menos o Brasil tenha deixado para trás o período de inflação descontrolada e possua sólidas reservas cambiais que permitem amortecer choques externos. Uma e outra precisam de reformulação profunda de suas estruturas. Neste ponto, tem razão o vice-presidente Hamilton Mourão, que, na terça-feira, mostrou decepção com o desempenho de Macri, por ter falhado em implantar as reformas necessárias para resgatar a Argentina da obsolescência. O resultado foi o aprofundamento da recessão, mais sofrimento imposto à população, a necessidade de voltar a recorrer ao FMI e a ameaça do retorno do populismo kirchnerista, movimento político alvo de acusações de corrupção e que fez a Argentina voltar mais algumas casas na busca pela retomada do desenvolvimento. É um alerta, portanto, que serve para o Brasil, em um momento de arrefecimento do otimismo pós-eleições.

O desgaste de Macri e a demora na implementação de sua plataforma liberal alimentaram ainda os argumentos retrógrados de um sindicalismo parasitário que se acostumou a sobreviver à custa do aparato estatal e, ainda ancorado no imaginário peronista, impede avanços que comecem a tirar a Argentina do atoleiro econômico. Um cenário até certo ponto semelhante ao do Brasil, onde as corporações esperneiam para não abrir mão de privilégios, como se vê nas pressões que envolvem a mudança no sistema de aposentadorias.

Ambos, portanto, têm muito a aprender e a compartilhar um com o outro. Não há mal para a Argentina que faça bem para o Brasil. E o contrário também é verdadeiro. O país vizinho é o terceiro mais importante parceiro comercial do Brasil e o cliente número 1 da indústria nacional, que, combalida, sofre mais sempre que o quadro se deteriora do outro lado da fronteira. Sentem mais ainda as fábricas gaúchas, que, pela proximidade geográfica e cultural, têm na nação do Prata um importante mercado para seus produtos.

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