sábado, 15 de junho de 2019



15 DE JUNHO DE 2019
PAUILO GERMANO

Imprensa é para incomodar

Camille Desmoulins mal tinha 30 anosquando criou um jornal antimonárquico e começoua estimular a revolta contrao rei Luís XVI, no fim do século 18. O governo francês mandou prendê-lo, mas o jornalista deu um jeito de sumir. A essa altura, os jacobinos já se articulavam para tomar o poder e, quando enfim conseguiram, como rei deposto, Desmoulins ressurgiu como herói.

Legal, ele ficou feliz, só que aí veio o Período do Terror: morte a todo mundo que se opusesse ao novo regime. Combativo que era, o jornalista saiu a denunciar a carnificina nas páginas do Le Vieux Cordelier. Adivinhem? Sobrou para ele, claro: guilhotina aos 34 anos.

Perseguido pelo rei e decapitado pelos inimigos do rei, Desmoulins ainda é um ícone da conturbada relação entre imprensa e poder. Embora tivesse uma evidente inclinação política, nada - nem a iminência da morte - o impediu de fazer o que o jornalismo precisa fazer: denunciar, incomodar e, acima de tudo, mostrar o que os governos tentam esconder. Não interessa qual governo.

Foi para isso que as sociedades inventaram o jornalismo. Justamente para escapar dos informes chapa-branca que os governos, lá na Roma Antiga, já distribuíam em tábuas de pedra com as versões que lhes convinham sobre assuntos que lhes convinham. Jornalismo é o que não convém. É o que o governo não quer. Sei que soa antipático, mal-humorado, mas não há função mais indispensável à democracia do que essa.

De uns tempos para cá, vem crescendo o clamor por um tal "jornalismo positivo". É evidente que, se um governo apresenta um projeto fora da curva, e esse projeto é positivo, o bom jornalismo deve cobrir o assunto. Mas não porque é positivo, e sim porque há interesse público nele. Porque é notícia. E notícia é o que fugiu do script. É, como disse Eugênio Bucci, o avião que cai, e não os milhares de voos que diariamente terminam bem.

Não há dúvida de que o interesse público, quando se fala em governo, jamais estará nos servidores honestos que nunca desviaram dinheiro do erário - está nos que desviam. Está no que deu errado. Ou, no mínimo, em um enredo que ninguém esperava: se o filho de um desembargador vira milionário, não é notícia; se o filho de um engraxate consegue o mesmo, talvez seja. E aí teremos, que legal, uma "pauta positiva".

Mas a moda agora é dizer que a imprensa "persegue" esse ou aquele governante. Ora, a única forma de a imprensa ajudar no avanço democrático é incomodando quem governa. Aliás, também falavam que Camille Desmoulins perseguia Luís XVI e, depois, os jacobinos. Veja que democrático o que fizeram com ele.

PAUILO GERMANO

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